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O que é Literatura

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Sabemos que o reino das palavras é farto. Elas brotam de nosso pensamento de maneira natural, não temos a preocupação de elaborar o que dizemos ou até mesmo escrevemos.
As palavras, contudo, podem ultrapassar seus limites de significação. Podendo, assim, conquistar novos espaços e passar novas possibilidades de perceber a realidade.
O caminho que a literatura percorre é este. O artista sente, escolhe e manipula as palavras, as organiza para que produzam um efeito que vá além da sua significação objetiva, procurando aproximá-las do imaginário.
A obra do escritor é fruto de sua imaginação, embora seja baseado em elementos reais. Da concretização desse trabalho surge então a obra literária.
Dotado de uma percepção aguçada, o escritor capta a realidade através de seus sentimentos. Explora as possibilidades linguísticas e as manipula no nível semântico, fonético e sintático.
A literatura é uma manifestação artística. E difere das demais pela maneira como se expressa, sua matéria-prima é a palavra, a linguagem. O texto literário se caracteriza pelo predomínio da função poética.

Observe, no poema Procura da poesia, como o poeta Carlos Drummond de Andrade descreve o escritor entrando no “reino das palavras”.
Procura da poesia

Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático, não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.
Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem; rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.
O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.
Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície inata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um realize e consuma
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

ANDRADE, Carlos Drurmmond de. Poesia completa & prosa. Rio de Janeiro:José Aguilar,1973.
“Procura da poesia” é um dos textos de abertura do livro A rosa do povo, que reúne poemas escritos entre 1943 e 1945, o conjunto formado por esses textos resulta numa das mais belas e profundas reflexões sobre o “fazer poético”, sobre a arte e utilidade da poesia.

* O Site BrasilEscola.com, detém seus direitos autorais sobre este artigo, qualquer publicação do mesmo sem prévia autorização da equipe por escrita será considerada como infração aos direitos autorais. Lembrando que a única cópia que não é necessária a permissão escrita é para trabalhos escolares.

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Escritor do artigo
Escrito por: Gabriela Cabral da Silva Dantas Escritor oficial Brasil Escola

Gostaria de fazer a referência deste texto em um trabalho escolar ou acadêmico? Veja:

DANTAS, Gabriela Cabral da Silva. "O que é Literatura "; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/literatura/o-que-e-literatura.htm. Acesso em 18 de abril de 2024.

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