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A obra de Cora Coralina é única, e a poeta é o principal nome da literatura goiana. Não se associa a nenhuma escola literária, não pretende iniciar nenhum movimento artístico: é como se a autora cozinhasse as palavras e com ela inventasse novas receitas, entre os cheiros e sabores que envolvem a Cidade de Goiás, a primeira capital do seu estado.
Poeta, cronista, contista e também cozinheira, Cora Coralina mistura tradição e ruptura, cantiga e silêncio, transpondo para as palavras a doçura tão característica das confeiteiras de sua cidade natal.
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Tópicos deste artigo
- 1 - Biografia de Cora Coralina
- 2 - Morte de Cora Coralina
- 3 - Primeiros passos de Cora Coralina na literatura
- 4 - Primeiro livro de Cora Coralina
- 5 - Prêmios de Cora Coralina
- 6 - Obras de Cora Coralina
- 7 - Poemas de Cora Coralina
- 8 - Frases de Cora Coralina
Biografia de Cora Coralina
Cora Coralina nasceu em 20 de agosto de 1889, na Cidade de Goiás – à época, capital do estado de Goiás – e foi registrada com o nome de Ana Lins dos Guimarães Peixoto. Seu pai era desembargador, mas morreu pouco depois de seu nascimento. Estudou apenas até o terceiro ano do ensino primário, o que bastou para desenvolver na menina o apreço pela leitura, que lhe avivou ainda mais a imaginação infantil.
Aos quinze anos, teve seu primeiro conto publicado, e foi então que surgiu o pseudônimo de Cora Coralina. Segundo a autora, havia muitas moças com o nome de Ana na cidade, e ela queria ser reconhecida. Queria também escrever e frequentar os saraus da cidade.
Foi em um desses saraus que conheceu Cantídio Tolentino Bretas, homem mais velho, advogado, desquitado, por quem se apaixonou. A notícia gerou um grande falatório na cidade e foi recebida como um escândalo pela família de Cora, que proibiu a união dos dois. Sem olhar para trás, Cora fugiu com o advogado em 1911.
O casal viveu em diversas cidades, incluindo Rio de Janeiro (RJ) e Avaré (SP). Tiveram seis filhos, dos quais dois morreram logo após o parto. Mas o que parecia uma libertação foi nova privação: Cantídio impedia Cora de publicar seus textos. Também a proibiu de participar da Semana de Arte Moderna, que acontecia em São Paulo no ano de 1922.
Viúva em 1934, trabalhou nas mais diversas áreas e morou em inúmeras cidades paulistas, incluindo a capital e Jaboticabal, cidade que a autora homenageou em seus poemas e que a homenageou de volta, nomeando um dos espaços públicos Centro de Eventos Cora Coralina. Cozinhando, vendendo livros, arando a terra, nunca abandonou a escrita: por onde passou, Cora publicou artigos nos jornais locais. Fez também muito serviço voluntário e de caridade.
Retornou a Goiás apenas em 1956, convocada para levantar o inventário de bens da família. O que era para ser uma visita breve tornou-se um reencontro com suas origens, e a autora decidiu, então, permanecer. Seguiu escrevendo e sustentando-se a partir da venda de doces.
Aos 70 anos, aprendeu a datilografar e só então seus escritos conheceram o formato de livro, publicado cinco anos depois.
Morte de Cora Coralina
Abatida por uma forte gripe, que logo se converteu em pneumonia, Cora Coralina faleceu em um hospital de Goiânia, em 10 de abril de 1985. O casarão à beira do Rio Vermelho, onde morou na infância e para onde voltou na velhice, tornou-se, em 1989, o Museu Casa de Cora Coralina. Lá se mantiveram seus manuscritos, objetos pessoais, artigos de cozinha, cartas, fotografias, mobília, livros e paredes repletas de memórias da autora, muito querida pelos que lhe conheceram.
Primeiros passos de Cora Coralina na literatura
A estreia oficial de Cora Coralina na literatura foi com o conto “Tragédia na Roça”, publicado em 1910, no Anuário Histórico e Geográfico do Estado de Goiás. Seu texto foi muitíssimo elogiado – nas palavras do prof. Francisco Ferreira, que o selecionou para publicação, a autora “é um dos maiores talentos que possue Goyas; é um temperamento de um verdadeiro artista. [...] conta na prosa animada [...] numa linguagem fácil, harmoniosa, ao mesmo tempo elegante”.
Durante o casamento, era impedida de circular seus escritos; depois de viúva, enviava textos aos periódicos dos vários municípios onde residiu.
Primeiro livro de Cora Coralina
Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais é o livro de estreia de Cora Coralina, publicado pela primeira vez em 1965 pela editora José Olympio. O retorno à terra natal deu-lhe o mais precioso ingrediente para a feitura dos textos: são poemas e alguns esparsos exemplares de prosa repletos de lembranças, causos e imagens de Goiás – hoje também conhecida como Cidade de Goiás. É dos lixos dos inúmeros becos, das memórias das lavadeiras, das prostitutas, das crianças na lida da roça, das ruas estreitas, do Rio Vermelho, que Cora Coralina recolhe as imagens de seus versos:
Beco da minha terra...
Amo tua paisagem triste, ausente e suja.
Teu ar sombrio. Tua velha umidade andrajosa.
Teu lodo negro esverdeado, escorregadio.
E a réstia de sol que ao meio-dia desce, fugidia,
e semeia polmes dourados no teu lixo pobre,
calçando de ouro a sandália velha,
jogada no teu montouro.
[...]
Conto a história dos becos,
dos becos de minha terra,
suspeitos... mal-afamados
onde família de conceito não passava.
“Lugar de gentinha” – diziam, virando a cara.
De gente do pote d’água.
De gente de pé no chão.
Becos de mulher perdida.
Becos de mulheres da vida.
Renegadas, confinadas
na sombra triste do beco.
[...]
Os poemas rememoram a cidade de sua infância, enquanto também se apercebem da cidade de sua velhice, já destituída da condição de capital do estado de Goiás. Os deslocamentos no tempo vão ainda mais além: Cora mergulha também na memória documental do município, quando era ainda habitado por capitães do mato, escravizados e aventureiros em busca de pedras preciosas ou dinheiro fácil. Presente, memória e passado se entrecruzam, harmoniosos, entre os becos cantados pela autora.
Em linguagem simples, afeita à tradição oral, Cora Coralina se fez publicada: enraizada depois de anos distante das ruas que lhe viram crescer, nada escapa a seus olhos. Odes, poemas narrativos e certa tendência em misturar prosa e poesia fazem parte do estilo particular da autora – que, embora não esteja vinculada a nenhuma escola literária, faz eco à tradição modernista, preferindo o verso livre e a inspiração na vida cotidiana, concreta.
Foi Carlos Drummond de Andrade, que à época também publicava pela editora José Olympio, quem revelou Cora Coralina ao grande público brasileiro, ajudando a divulgar sua obra. Em sua coluna no Jornal do Brasil, o poeta mineiro endereçou uma carta a Cora:
“Rio de Janeiro,
14 de julho, 1979
Cora Coralina
Não tendo o seu endereço, lanço estas palavras ao vento, na esperança de que ele as deposite em suas mãos. Admiro e amo você como alguém que vive em estado de graça com a poesia. Seu livro é um encanto, seu verso é água corrente, seu lirismo tem a força e a delicadeza das coisas naturais. Ah, você me dá saudades de Minas, tão irmã do teu Goiás! Dá alegria na gente saber que existe bem no coração do Brasil um ser chamado Cora Coralina.
Todo o carinho, toda a admiração do seu.
Carlos Drummond de Andrade”
Veja também: Regionalismo em prosa de Rachel de Queiroz
Prêmios de Cora Coralina
1980 – Homenagem do Conselho Nacional das Mulheres do Brasil (Rio de Janeiro – RJ)
1981 – Troféu Jaburu, concedido pelo Conselho de Cultura do Estado de Goiás
1982 – Prêmio de Poesia nº 01, Festival Nacional de Mulheres nas Artes (São Paulo – SP)
1983 – Doutora Honoris Causa, Universidade Federal de Goiás
1983 – Ordem do Mérito no Trabalho, concedida pelo Presidente da República João Batista de Figueiredo
1983 – Medalha Anhanguera, governo do Estado de Goiás
1983 – Homenageada pelo Senado Federal
1984 – Grande Prêmio da Crítica/Literatura da Associação Paulista de Críticos de Arte
1984 – Primeira escritora brasileira a receber o Troféu Juca Pato, da União Brasileira de Escritores (UBE)
1984 – Homenagem da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação como símbolo da mulher trabalhadora rural
1984 – Ocupa a cadeira nº 38 da Academia Goiana de Letras
2006 – Condecorada postumamente com a classe Grã-Cruz da Ordem do Mérito Cultural (OMC), concedida pelo Ministério da Cultura
Obras de Cora Coralina
- Poemas dos Becos de Goiás e estórias mais (1965)
- Meu Livro de Cordel (1976)
- Vintém de Cobre - Meias confissões de Aninha (1983)
- Estórias da Casa Velha da Ponte (1985)
-
Edições póstumas
- Meninos Verdes (1986)
- Tesouro da Casa Velha (1996)
- A Moeda de Ouro que o Pato Engoliu (1999)
- Villa Boa de Goyaz (2001);
- O Prato Azul-Pombinho (2002)
Veja mais: A revitalização da linguagem e a potencialidade poética de Guimarães Rosa
Poemas de Cora Coralina
Cantoria
Meti o peito em Goiás
e canto como ninguem.
Canto as pedras,
canto as águas,
as lavadeiras, também.
Cantei um velho quintal
com murada de pedra.
Cantei um portão alto
com escada caída.
Cantei a casinha velha
de velha pobrezinha.
Cantei colcha furada
estendida no lajedo;
muito sentida,
pedi remendos pra ela.
Cantei mulher da vida
conformando a vida dela.
Cantei ouro enterrado
querendo desenterrá.
cantei cidade largada.
Cantei burro de cangalha
com lenha despejada.
Cantei vacas pastando
no largo tombado.
Agora vai se acabando
Esta minha versejada.
Boto escoras nos serados
Por aqui vou ficando.
Todas as vidas
Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho,
olhando para o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço…
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo…
Vive dentro de mim
a lavadeira do Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso
d’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde de são-caetano.
Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.
Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada, sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.
Vive dentro de mim
a mulher roceira.
– Enxerto de terra,
meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos,
Seus vinte netos.
Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha…
tão desprezada,
tão murmurada…
Fingindo ser alegre seu triste fado.
Todas as vidas dentro de mim:
Na minha vida –
a vida mera das obscuras.
A lavadeira
Essa Mulher...
Tosca. Sentada. Alheada...
Braços cansados
Descansando nos joelhos...
olhar parado, vago,
perdida no seu mundo
de trouxas e espuma de sabão
- é a lavadeira.
Mãos rudes, deformadas.
Roupa molhada.
Dedos curtos.
Unhas enrugadas.
Córneas.
Unheiros doloridos
passaram, marcaram.
No anular, um círculo metálico
barato, memorial.
Seu olhar distante,
parado no tempo.
À sua volta
- uma espumarada branca de sabão
Inda o dia vem longe
na casa de Deus Nosso Senhor
o primeiro varal de roupa
festeja o sol que vai subindo
vestindo o quaradouro
de cores multicores.
Essa mulher
tem quarentanos de lavadeira.
Doze filhos
crescidos e crescendo.
Viúva, naturalmente.
Tranquila, exata, corajosa.
Temente dos castigos do céu.
Enrodilhada no seu mundo pobre.
Madrugadeira.
Salva a aurora.
Espera pelo sol.
Abre os portais do dia
entre trouxas e barrelas.
Sonha calada.
Enquanto a filharada cresce
trabalham suas mãos pesadas.
Seu mundo se resume
na vasca, no gramado.
No arame e prendedores.
Na tina d’água.
De noite – o ferro de engomar.
Vai lavando. Vai levando.
Levantando doze filhos
Crescendo devagar,
enrodilhada no seu mundo pobre,
dentro de uma espumarada
branca de sabão.
Às lavadeiras do Rio Vermelho
da minha terra,
faço deste pequeno poema
meu altar de ofertas.
Frases de Cora Coralina
-
“Nasci em tempos rudes. Aceitei contradições, lutas e pedras como lições de vida e delas me sirvo. Aprendi a viver.”
-
“O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher.”
-
“Sou mais doceira e cozinheira do que escritora, sendo a culinária a mais nobre das artes: objetiva, concreta, jamais abstrata., a que está ligada à vida e à saúde humana.”
-
“Nasci num berço de pedras. Pedras têm sido meus versos, no rolar e bater de tantas pedras.”
Créditos das imagens