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O queremismo foi um movimento político que surgiu espontaneamente nas classes populares em meados de 1945. Era um movimento de apoio das classes de trabalhadores ao então presidente Getúlio Vargas. Essa organização foi uma resposta à mobilização que existia para promover a deposição de Vargas da presidência.
Esse movimento recebeu tal nome por conta do grito popular ecoado nas suas manifestações: “Nós queremos Getúlio”. O queremismo foi formado pelas classes trabalhadoras em defesa dos direitos trabalhistas conquistados na década de 1940, e também contou com a adesão dos comunistas. Perdeu o sentido quando Vargas foi deposto.
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Contexto
O queremismo foi um movimento político espontâneo que surgiu nos momentos finais do Estado Novo, o regime ditatorial governado por Vargas desde 1937. A partir da década de 1940, a ditadura varguista perdeu força, e seu apoio nos meios civis e militares enfraqueceu-se. Esse enfraquecimento tem relação direta com o contexto internacional.
O Brasil estava oficialmente em guerra com o Eixo desde 1942, e juntou-se efetivamente ao esforço de guerra com o envio de tropas brasileiras para a Europa, em 1944. A grande contradição nessa ação estava no fato de que o país estava enviando tropas para lutar contra regimes autoritários e em defesa da democracia, enquanto que aqui se mantinha um regime ditatorial.
Essa situação levou grupos civis a posicionarem-se contra o Estado Novo, exigindo a implantação da democracia no Brasil com a formação de uma Constituinte e a realização de novas eleições. As manifestações contra Vargas já vinham de anos anteriores a 1945, e dois anos antes, os efeitos da perda de apoio ao Estado Novo já eram sentidos.
O historiador Thomas Skidmore levantou dois exemplos que demonstram essa insatisfação|1|. Em 1943, um grupo de intelectuais e políticos publicou o Manifesto dos Mineiros, um documento que tecia críticas ao Estado Novo, exigindo o seu fim e a democratização do Brasil. No ano seguinte, críticas contra o governo passaram a ser feitas pelos militares que lutavam na Europa.
Getúlio Vargas percebeu que o clima político do país estava em transformação e já pensava em como adaptaria a sua estratégia política a esse cenário. A saída encontrada por ele foi reforçar a sua comunicação com os trabalhadores. Ele investiu no desenvolvimento de políticas em benefício a eles e ampliou a interlocução de seu governo com essa classe. Nascia assim o trabalhismo.
Crise política de 1945
O ano de 1945 foi de definição e de mudanças políticas no Brasil. O movimento de oposição a Vargas ganhava força, e nem o aparelho de censura do governo conseguia frear as manifestações. Thomas Skidmore apresenta que dois casos simbólicos, nesse sentido, aconteceram durante o Primeiro Congresso Brasileiro de Escritores e durante uma entrevista de José Américo, um político paraibano, para o Correio da Manhã|2|.
Tanto no evento de escritores como na entrevista, críticas ao presidente e demandas por eleição foram realizadas. Isso evidenciava que o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) não conseguia mais filtrar as críticas e que os opositores de Vargas estavam ganhando espaço. As exigências por liberdade de expressão e por um presidente eleito democraticamente levaram a uma reação do ditador.
Em fevereiro de 1945, Vargas emitiu o Ato Adicional, uma emenda constitucional que determinava que eleição presidencial deveria ter data marcada para aquele ano, ainda dentro do prazo de 90 dias. Logo, também, começaram a estabelecer-se novos partidos políticos, extintos desde 1937, e um compromisso de não disputar a eleição presidencial foi emitido.
A eleição presidencial foi marcada para o dia 2 de dezembro, e as candidaturas foram sendo estabelecidas. Um grupo de liberais, apoiados por alguns poucos socialistas, formou a União Democrática Nacional (UDN) e lançou a candidatura de Eduardo Gomes. Logo depois, surgiu o Partido Social Democrático (PSD), formado por parte da burocracia estadonovista e pela elite rural, lançando a candidatura de Eurico Dutra.
Com menos chances eleitorais, um grupo de comunistas reuniu-se em torno do Partido Comunista do Brasil (PCB) e lançaram a candidatura de Yedo Fiúza. Em meio a essas candidaturas, Vargas anunciou o seu apoio ao general Eurico Dutra, naquele momento, o ministro da guerra de seu governo.
Prosseguindo na sua estratégia de abertura política, Vargas anunciou, em abril de 1945, a libertação dos presos políticos do Estado Novo por meio de uma anistia. Entre os libertos estava Luís Carlos Prestes, comunista preso desde 1936, por conta de seu envolvimento com a Intentona Comunista. Após ser solto, Prestes uniu-se ao movimento de apoio a Vargas que despontou naquele ano.
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Queremismo
As manifestações contra Vargas seguiram-se por todo o ano de 1945, mas uma reação popular e espontânea iniciou-se em resposta. Em 1945, estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, mobilizaram-se em protesto contra Vargas, pela formação de um regime democrático no Brasil e pelo apoio à candidatura de Eduardo Gomes.
As historiadoras Lilia Schwarcz e Heloísa Starling afirmam que, no começo de março, esses estudantes de Direito, mobilizados no Centro Acadêmico Onze de Agosto, realizaram uma passeata pela derrubada de Getúlio Vargas|3|. Eles se encaminharam para a Praça da Sé, em São Paulo, e tentaram mobilizar os trabalhadores em apoio à manifestação.
No entanto, aconteceu o oposto do que os estudantes esperavam. Os trabalhadores que estavam na Praça da Sé reagiram e atacaram-nos. Os trabalhadores que se reuniram para defendê-lo gritavam frases de ordem, como “Viva os trabalhadores” e “Nós queremos Getúlio”. Os estudantes antivarguistas acabaram fugindo.
A partir desse acontecimento espontâneo, surgiu o movimento queremista, o qual demonstrava o apoio dos trabalhadores ao governo de Getúlio Vargas, e suas ações contra os opositores do presidente repetiram-se em outras capitais do país. A defesa de Vargas pelos trabalhadores chocou grupos da época, como a imprensa, que não entendiam a postura das classes populares.
A reação da imprensa contra a população que se manifestou a favor de Vargas foi dura. Os queremistas foram chamados por ela de termos como “arruaceiros” e “desordeiros”. Não obstante, a manifestação popular em defesa de Vargas espalhou-se pelo Brasil, ganhando força e organização.
Pode ser estranho um movimento popular surgir em defesa de um presidente conhecido por possuir um regime ditatorial, mas, na visão das classes de trabalhadores, o que estava em jogo eram os seus direitos. As historiadoras Lilia Schwarcz e Heloísa Starling explicam o porquê desse apoio:
Sua demanda, […] tinha natureza política: a defesa dos direitos que garantiam a cidadania social obtida pelos trabalhadores a partir da década de 1930. Ao perceber que o Estado Novo caminhava para um final desfavorável ao presidente, os trabalhadores saíram às ruas: suspeitavam que o conjunto de lei de proteção ao trabalho, até então com dois gumes, sem Getúlio poderia começar a cortar de um lado só — o lado do patrão|4|.
A partir do segundo semestre, o queremismo alcançou o seu auge. Vargas, naturalmente, aproveitou-se desse movimento e procurou dar-lhe apoio, ao mesmo tempo que o usava como forma de propaganda. O DIP e o Ministério do Trabalho então ofereceram apoio aos queremistas, e comitês foram criados em todo o país.
Com isso, uma série de eventos foram organizados pelos queremistas. Panfletos eram distribuídos, comícios eram realizados, e os discursos queremistas foram reproduzidos via rádio pelo governo. O partido criado por Vargas, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), juntou-se aos eventos queremistas e utilizou-os como espaço para garantir liderança.
Os comunistas, seguindo diretriz enviada pela União Soviética, aliaram-se a Getúlio Vargas, e o apoio dado por Luís Carlos Prestes, antigo inimigo de Vargas, foi surpreendente. A ação de Prestes ainda choca porque ele havia sofrido consideravelmente nas mãos do regime varguista: preso por quase 10 anos, teve sua companheira enviada para a Alemanha nazista, local onde morreu, e nunca teve o direito de ver sua filha enquanto esteve preso.
Em setembro, Vargas confirmou que não disputaria a eleição presidencial, decepcionando seus apoiadores. Eles, porém, não desistiram e reajustaram sua pauta política, passando a defender a realização de eleição para a formação de uma Assembleia Constituinte a fim de que uma nova Constituição fosse escrita para o Brasil. Em 3 de outubro, o maior manifestação queremista foi realizada, contando com 150 mil pessoas, no Rio de Janeiro.
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Deposição de Vargas
Os queremistas desejavam o adiamento da eleição presidencial, marcada em dezembro, a fim de garantir, primeiramente, a formação da Constituinte. Seus desejos foram frustrados, uma vez que a crise de Vargas no poder só aumentou. Em 29 de outubro, Vargas recebeu um ultimato militar, o que forçou a sua renúncia. Um golpe militar derrubava-o e dava início, a partir de 1946, ao primeiro período minimamente democrático da nossa história.
Notas
|1| SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Getúlio a Castello (1930-1964). São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 82.
|2| Idem, p. 82.
|3| SCHWARCZ, Lilia Moritz e STARLING, Heloísa Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 390.
|4| Idem, p. 390.
Crédito das imagens
[1] FGV/CPDOC
Por Daniel Neves
Professor de História