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Chica da Silva

Chica da Silva foi uma negra alforriada que se tornou uma das mulheres mais importantes da sociedade colonial de Minas Gerais no século XVIII.

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Chica da Silva é uma interessante figura histórica do Brasil que foi alvo de muita especulação ao longo dos séculos XIX e XX. Filha de um português branco e uma escrava, Chica, que era também uma escrava, conquistou sua alforria e ficou marcada por se relacionar com um dos homens mais ricos do Brasil durante a fase da mineração. A influência de seu relacionamento garantiu-lhe status e ascensão social em uma sociedade escravista e abertamente racista.

Acesse também: Conheça a mulher que teve grande importância para a independência do Brasil

Tópicos deste artigo

Nascimento

Os historiadores não sabem ao certo o ano em que Francisca da Silva de Oliveira, mais conhecida como Chica da Silva, nasceu. Os estudos apontam que ela tenha nascido em algum momento entre 1731 e 1735, no Arraial do Milho Verde, atual cidade de Serro, no interior de Minas Gerais. Chica da Silva era filha de um português e de uma escrava africana.

Seu pai chamava-se Antônio Caetano de Sá, e sua mãe, Maria da Costa (“da Costa” faz referência ao lugar de origem de Maria, Costa da Mina, no continente africano). O pai de Chica não concedeu alforria à sua filha e vendeu-a para um médico que residia no Arraial do Tijuco, atual cidade de Diamantina.

Chica da Silva foi retratada em um filme de grande sucesso de 1976 que se chamava “Xica da Silva”.[1]
Chica da Silva foi retratada em um filme de grande sucesso de 1976 que se chamava “Xica da Silva”.[1]

Esse médico chamava-se Manuel Pires Sardinha e acabou sendo o pai do primeiro filho de Chica da Silva. Os abusos sexuais cometidos por portugueses brancos contra suas escravas eram comuns naquele período e, assim, Chica deu à luz seu primeiro filho, chamado Simão Pires Sardinha. Manuel não registrou Simão como seu filho, mas o colocou no seu testamento.

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Relação com João Fernandes

Em 1753, o contratador de diamantes da cidade de Diamantina, João Fernandes de Oliveira, comprou Chica da Silva de Manuel, pagando-lhe o valor de 800 mil-réis. Dois meses depois de ter sido comprada por João Fernandes, Chica foi alforriada, e os dois assumiram uma relação pública, mas nunca chegaram a se casar oficialmente.

Durante quase duas décadas, Chica da Silva manteve relação com um dos homens mais ricos de toda a colônia. A relação de Chica e João estendeu-se até 1770 e, nesse período, o casal teve um total de treze filhos. Chica da Silva passou grande parte do seu relacionamento com João grávida. Ainda assim, conseguiu gozar do prestígio que a riqueza de seu marido proporcionava.

Chica da Silva morou em Diamantina, uma das principais cidades de Minas Gerais no período da mineração.[2]
Chica da Silva morou em Diamantina, uma das principais cidades de Minas Gerais no período da mineração.[2]

Chica da Silva tratou de procurar inserir-se nos círculos sociais da época e, por isso, possuía muitas casas e um grande número de escravos. Chica da Silva também se associou a quatro irmandades religiosas – algo importante para uma mulher naquela época. A adesão dela a essas associações aconteceu por meio de doações.

Chica da Silva e João Fernandes tiveram uma relação estável até 1770. Nesse ano, o pai de João Fernandes faleceu e uma disputa testamentária fez com que ele decidisse voltar a Portugal. Lá ele permaneceu até a sua morte, por volta de 1776.

Chica da Silva como mãe

Como citado, Chica da Silva teve treze filhos com João Fernandes: quatro homens e nove mulheres. Da relação com Manuel Pires Sardinha, ela teve um filho apenas, que, acredita-se, ocupou importantes funções na sua idade adulta.

Chica da Silva e João Fernandes não pouparam esforços para a educação de seus filhos. Os quatro filhos foram educados em Coimbra, Portugal, e as filhas de Chica foram educadas em conventos na região da Diamantina. Depois que João Fernandes retornou a Portugal, Chica recebeu de seu parceiro inúmeros bens, o que lhe permitiu criar bem as suas filhas, além de garantir uma vida confortável.

Acesse também: Carolina Maria de Jesus, umas das primeiras escritoras negras do Brasil

Mitos sobre Chica da Silva

A história de Chica da Silva é envolta em uma série de mitos e preconceitos. As visões errôneas a respeito de Chica são frutos do racismo da sociedade brasileira, que procurava (e ainda procura) desqualificar uma mulher negra que ascendeu socialmente e foi uma das mais ricas de sua época.

O primeiro trabalho que procurou reconstruir a vida de Chica da Silva foi realizado pelo advogado Joaquim Felício dos Santos, em um livro chamado “Memórias do Distrito Diamantino”. Os historiadores afirmam que o trabalho de Joaquim Felício foi uma reconstrução das histórias que eram contadas oralmente na região de Diamantina e não teve nenhum embasamento em fontes.

Joaquim Felício ajudou a consolidar a imagem de Chica como uma mulher frívola, cruel, lasciva e que gostava de ostentar sua riqueza. O advogado também se referia à Chica da Silva como uma mulher de “feições grosseiras, alta, corpulenta, trazia a cabeça raspada e coberta com uma cabeleira anelada em cachos […]; não possuía graça, não possuía beleza, não possuía espírito, não tivera educação, enfim não possuía atrativo algum, que pudesse justificar uma forte paixão.”|1|

Chica da Silva também sempre foi vista como uma mulher luxuriosa e que utilizava o sexo como arma para conquistar aquilo que almejava. Os historiadores, no entanto, contestam essa visão e classificam-na como mito. A visão de Chica como luxuriosa é parte de uma construção social do brasileiro que sexualiza ao extremo a mulher negra.

A grande pergunta feita por aqueles que estudam Chica da Silva é: como uma mulher que teve treze filhos em dezessete anos poderia ser lasciva? Com base nisso, os historiadores chegaram à conclusão de que Chica da Silva foi uma mulher convencional à sua época, que dedicou a sua vida a dar uma boa educação aos seus filhos.

Chica da Silva foi enterrada na Igreja de São Francisco de Assis, em Diamantina.[2]
Chica da Silva foi enterrada na Igreja de São Francisco de Assis, em Diamantina.[2]

A inserção de Chica da Silva nos meios aristocráticos da região mineradora também não foi resultado de uma sociedade racialmente democrática, mas foi, em grande parte, influência da riqueza de Chica da Silva. Ainda assim, Chica teve de enfrentar desafios para ser aceita socialmente na região de Diamantina.

Os filhos mestiços que ela teve com João Fernandes, por exemplo, tiveram como padrinhos pessoas pouco influentes – um indicativo claro do racismo que cercava a vida de Chica. A riqueza de Chica, portanto, garantia-lhe privilégios, mas ainda assim existiam restrições, sobretudo entre aqueles que eram extremamente ricos.

Leia também: A representação do negro na literatura brasileira

Morte

Chica da Silva faleceu em 15 de fevereiro de 1796. As causas de sua morte são desconhecidas. Graças à riqueza de Chica, ela foi enterrada na tumba 16 da Igreja de São Francisco de Assis. Somente pessoas brancas ricas conseguiam ser enterradas em locais como esse, o que deixa bem claro como o dinheiro de Chica foi importante para que ela fosse socialmente aceita.

Chica da Silva na cultura popular

A atriz Taís Araújo ficou famosa por interpretar Chica da Silva na telenovela produzida pela Manchete na década de 1990.[3]
A atriz Taís Araújo ficou famosa por interpretar Chica da Silva na telenovela produzida pela Manchete na década de 1990.[3]

Chica da Silva é uma personagem histórica que passou grande parte do século XIX e XX despercebida. O aparecimento dessa personagem no cinema por meio de um filme de 1976 e uma novela de 1996 da extinta TV Manchete contribuiu para popularizá-la. Ambas produções chamavam-se “Xica da Silva”. Os historiadores, porém, sugerem que essas produções acabaram contribuindo para criar uma imagem negativa e estereotipada de Chica da Silva.

Chica da Silva foi uma mulher que procurou integrar-se socialmente à elite mineira das formas convencionais. Teve casas e escravos (e só alforriou um em toda a sua vida). Cuidou de seus filhos e procurou dar-lhes a melhor educação possível, tentando integrar-se aos círculos católicos de Minas Gerais.

Notas

|1| SANTOS, Joaquim Felício dos. Memórias do districto diamantino da comarca do Serro Frio. Para acessar, clique aqui [adaptado].

Créditos das imagens:

[1] Reprodução

[2] Luis War e Shutterstock

[3] Ron Adar e Shutterstock

 

Por Daniel Neves Silva 

Graduado em Historia

Escritor do artigo
Escrito por: Daniel Neves Silva Formado em História pela Universidade Estadual de Goiás (UEG) e especialista em História e Narrativas Audiovisuais pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Atua como professor de História desde 2010.

Gostaria de fazer a referência deste texto em um trabalho escolar ou acadêmico? Veja:

SILVA, Daniel Neves. "Chica da Silva"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/historia/chica-silva.htm. Acesso em 27 de junho de 2024.

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