O mulato

O mulato é uma obra naturalista do autor brasileiro Aluísio Azevedo. Ela conta a história do jovem Raimundo, que não pode se casar com sua prima porque é um “mulato”.

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O mulato é um romance do escritor brasileiro Aluísio Azevedo. A obra foi publicada, pela primeira vez, em 1881, e consiste em uma narrativa naturalista. Na história, o protagonista Raimundo volta ao Brasil depois de viver e estudar muitos anos na Europa. Em São Luís do Maranhão, ele se hospeda na casa de seu tio Manuel.

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Ana Rosa é a prima de Raimundo, e os dois se apaixonam, porém o casamento é impossível porque o rapaz é um “mulato”. Assim, ele finalmente conhece o seu passado ao descobrir que é filho de uma mulher negra, escrava de seu pai, o qual foi assassinado. O cônego Diogo foi quem matou o pai do rapaz e convence Luís Dias, pretendente de Ana Rosa, a matar Raimundo.

Leia também: O cortiço — outra obra de Aluísio Azevedo que pertence ao naturalismo

Tópicos deste artigo

Resumo sobre O mulato

  • O mulato é um romance do escritor brasileiro Aluísio Azevedo.

  • O jovem Raimundo volta ao Brasil após anos vivendo e estudando na Europa.

  • Em São Luís do Maranhão, ele se hospeda na casa de seu tio Manuel.

  • Raimundo pretende vender uma propriedade herdada de seu pai e depois fixar residência no Rio de Janeiro.

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  • Seu passado é cercado de mistério, seu pai, José, foi assassinado, e Raimundo não sabe quem é sua mãe.

  • O narrador revela que o cônego Diogo era amante da esposa de José e foi quem o matou.

  • Ana Rosa é a prima de Raimundo, e os jovens acabam se apaixonando.

  • Manuel e o cônego Diogo querem que Ana Rosa se case com o caixeiro Luís Dias, por quem a moça sente total desprezo.

  • Manuel não aceita que Raimundo se case com Ana Rosa porque o rapaz é “mulato”.

  • Raimundo descobre que é filho de uma mulher negra, a escrava Domingas, e que, portanto, é “mulato”.

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  • O rapaz tenta se afastar da prima, mas a paixão é forte, e Ana Rosa acaba ficando grávida.

  • O cônego Diogo convence Luís Dias a matar Raimundo, o qual, assim, tem um fim trágico.

  • Desesperada com a morte do amante, Ana Rosa tem uma crise nervosa que lhe provoca um aborto.

  • Anos depois, Ana Rosa está casada com Dias, o casal tem filhos e é aparentemente feliz.

Análise da obra O mulato

Personagens da obra O mulato

  • Amância Sousellas: amiga da família de Manuel.

  • Ana Rosa: filha de Manuel Pescada.

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  • Benedito: criado de Maria Bárbara.

  • Bento Cordeiro: caixeiro.

  • Bibina: integrante da família Sarmento.

  • Brígida: criada de Maria Bárbara.

  • Cancela: fazendeiro.

  • Diogo: padre, cônego e padrinho de Ana Rosa.

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  • Domingas: mãe de Raimundo.

  • Espigão: tenente e falecido marido de Maria do Carmo.

  • Etelvina: integrante da família Sarmento.

  • Eufrásia: viúva amiga de Ana Rosa.

  • Freitas: amigo da família de Manuel.

  • Gustavo de Vila Rica: caixeiro.

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  • João Hipólito: falecido marido de Maria Bárbara.

  • Joli: cãozinho da Eufrásia.

  • José: falecido irmão de Manuel.

  • José Roberto: amigo da família de Manuel.

  • Lamparinas: frei.

  • Lindoca: filha do Freitas.

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  • Luís Dias: português empregado no armazém de Manuel.

  • Manuel Pescada (Manuel Pedro da Silva): tio do protagonista.

  • Manuelzinho: criança enjeitada que vivia na casa de Manuel.

  • Maria Bárbara: sogra de Manuel.

  • Mariana: falecida mãe de Ana Rosa.

  • Maria do Carmo: tia de Bibina e Etelvina Sarmento.

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  • Mônica: criada de Maria Bárbara.

  • Quitéria: esposa de José.

  • Raimundo: protagonista e sobrinho de Manuel.

  • Sebastião Campos: amigo da família de Manuel.

  • Úrsula Santiago: mãe de Quitéria.

Tempo da obra O mulato

A obra apresenta tempo cronológico, mas com alguns saltos ao passado. A narrativa acontece na segunda metade do século XIX, por volta da década de 1870.

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Espaço da obra O mulato

A história se passa na cidade de São Luís do Maranhão.

Narrador da obra O mulato

O mulato conta com um narrador onisciente, aquele que tudo sabe, que conhece detalhes da vida e do pensamento dos personagens.

Enredo da obra O mulato

O português Manuel quer saber se sua filha Ana Rosa está de acordo em se casar com Luís Dias, empregado do armazém de Manuel. Ana Rosa não demonstra entusiasmo com o casamento, mas dá a entender que talvez aceite, apesar de o desprezar. Em seguida, o cônego Diogo vai até a casa de Manuel para lhe informar que Raimundo está chegando.

Raimundo estava morando na Europa. De volta ao Brasil, vai a São Luís para vender uma propriedade. Raimundo é filho bastardo de José, irmão falecido de Manuel. Quando chega à cidade, ficam todos curiosos para saber quem ele é. O rapaz não se lembrava de sua família nem sabe quem é sua mãe.

Quando criança, passou um tempo na casa do tio e depois foi mandado para estudar em um colégio em Lisboa. Após resolver as questões financeiras, Raimundo pretende abrir um escritório de advocacia no Rio de Janeiro, casar e ter filhos. Desconhece a tragédia do seu passado.

Na vila do Rosário, quando José encontrou a esposa, Quitéria, com o padre Diogo, estrangulou a traidora até a morte. O padre, que presenciou o assassinato, prometeu ficar em silêncio desde que José não mencionasse o caso dele com Quitéria. Logo depois, José deixou Domingas cuidando da fazenda. Ele foi para São Luís, pois tinha a intenção de pegar o filho, que estava morando na casa de Manuel, e ambos irem embora para Portugal.

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Na casa do tio, Raimundo foi bem cuidado por sua tia Mariana, que ainda não tinha dado à luz Ana Rosa. José adoeceu na casa do irmão e “pediu um tabelião, fez testamento”. Além disso, disse ao irmão: “Se eu for desta... o que é possível, remete-me logo o pequeno para a casa do Peixoto em Lisboa”.

O padre Diogo foi para São Luís, supostamente preocupado com José. Por fim, José melhorou e, antes de ir embora para Portugal, decidiu voltar a Rosário. No caminho, um “vulto negro agitou-se por detrás do tronco de um ingazeiro, e uma bala, seguida pela detonação de um tiro, varou o peito de José da Silva”.

Isso aconteceu perto da fazenda de José, localizada em um “lugar denominado São Brás”. Domingas descobriu o cadáver de José e ficou desesperada. Acabou ficando louca. Raimundo, com aproximadamente cinco anos, foi enviado a Portugal.

Anos depois, de volta ao Maranhão, Raimundo se hospeda na casa do tio. Logo conhece vários habitantes do local. E desperta o interesse da prima Ana Rosa e a antipatia da velha Maria Bárbara, avó da moça. Acostumado a viver na Europa, tendo educação e dinheiro, não percebe ainda que pode ser tratado como alguém “diferente” e alvo de preconceito. Raimundo vira o centro das atenções:

— Quem é aquele sujeito, que ali vai de roupa clara e um chapéu de palha?

— Oressa! Pois ainda não sabes? respondia um Bento. É o hóspede de Manuel Pescada!

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— Ah! este é que é o tal doutor de Coimbra?

— O cujo! afirmava o Bento.

— Mas Brito, vem cá! disse o outro, com grande mistério, como quem faz uma revelação importante. Ouvi dizer que é mulato!...

E a voz do Brito tinha o assombro de uma denúncia de crime.

— Que queres, meu Bento? São assim estes pomadas cá da terra dos papagaios! E ainda se zangam quando queremos limpar-lhes a raça, sem cobrar nada por isso!

Com o tempo, Raimundo percebe o interesse de Ana Rosa e acaba se apaixonando por ela. Mas Maria Bárbara diz ao cônego Diogo que Raimundo é maçom e lhe mostra “o folhetinho de capa verde, que Dias subtraíra da gaveta de Raimundo”. “E apontava horrorizada para a brochura, em cujo frontispício havia desenhado um xadrez, duas colunas amparando dois globos terrestres, e outros emblemas.”

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Manuel decide levar Raimundo até a fazenda de São Brás. No caminho, o rapaz pretende pedir a mão de Ana Rosa para Manuel, que, prevendo o pedido, diz: “Então... tenha a bondade de desistir do pedido...”. Ao que Raimundo replica: “Por quê?”. E tem como resposta: “Para poupar-me o desgosto de uma recusa...”.

Raimundo não entende a rejeição, mas Manuel recusa dizer o motivo. Antes de levar o sobrinho para conhecer a fazenda abandonada, os dois se hospedam na casa do fazendeiro Cancela. Enquanto Raimundo dorme, durante a noite:

um leve e surdo ruído despertara-o. Raimundo encolheu-se na rede e insensivelmente se lembrou do revólver que tinha a seu lado; na porta desenhava-se, contra a claridade exterior, a mais esquálida, andrajosa e esquelética figura de mulher, que é possível imaginar. Era uma preta alta, cadavérica, tragicamente feia, com os movimentos demorados e sinistros, os olhos cavos, os dentes escarnados.

O rapaz persegue o “espectro”, mas o “fantasma desapareceu pela porta do fundo, Raimundo acompanhou-o com dificuldade e, ao chegar lá embaixo, avistou-o já no pátio, a fugir-lhe sempre”. No dia seguinte, Raimundo e o tio vão para a antiga propriedade de José, a qual está em ruínas.

Vão até o cemitério e visitam a sepultura de José. Ao entrar sozinho em uma capela, Raimundo se depara com “o vulto esquelético e andrajoso, que lhe aparecera à noite”, o qual, “como um fantasma, ali estava naquela meia escuridão, a dançar uns requebros estranhos, com os braços magros levantados sobre a cabeça”.

Essa mulher louca é a mãe de Raimundo. Ela tenta abraçar o rapaz, que foge, com repugnância. Ele levanta o chicote para ela, quando é impedido por Manuel: “Não lhe bata, doutor! Não lhe bata, que é doida! Conheço-a!”. Mas apenas revela que: “Esta pobre negra [...] foi escrava de seu pai”.

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Logo depois, Raimundo volta ao assunto do noivado, insiste em saber por que Manuel não quer que ele se case com Ana Rosa. Então Manuel acaba revelando o motivo: “Recusei-lhe a mão de minha filha, porque o senhor é... é filho de uma escrava...”. Surpreso, o rapaz pergunta: “Eu?!”. E Manuel: “O senhor é um homem de cor!...”.

Raimundo fica lívido. Sua surpresa aumenta quando descobre que nasceu escravo. E fica ainda mais chocado quando seu tio revela quem é sua mãe: “[...]; soube ainda há pouco que está viva... É aquela pobre idiota de São Brás”. Ao conhecer sua história e descobrir que é um “mulato”, entende “os mesquinhos escrúpulos, que a sociedade do Maranhão usara para com ele”.

Isso explica “a frieza de certas famílias a quem visitara; a conversa cortada no momento em que Raimundo se aproximava; as reticências dos que lhe falavam sobre os seus antepassados; a reserva e a cautela dos que, em sua presença, discutiam questões de raça e de sangue; [...]”.

Tal revelação opera uma transformação no rapaz. De volta a São Luís, não sai de sua mente o fato de ele ser “mulato” e a paixão que sente por Ana Rosa. Decide partir o mais rápido possível para o Rio de Janeiro. Manuel explica à filha o motivo da impossibilidade do casamento com o primo, porém as “palavras de Manuel não lhe produziam o menor abalo; ela continuava a estremecer e desejar o mulato com a mesma fé e com o mesmo ardor”.

Ana Rosa acaba tendo uma crise histérica (a noção de histeria foi bastante explorada em romances naturalistas). Em seguida, Raimundo quer saber detalhes do passado com o cônego Diogo. Ele chega à conclusão de que o cônego matou José e coloca o velho contra a parede, mas acaba sendo ludibriado e vira alvo do perverso cônego.

Raimundo se muda de casa à espera do dia da viagem para o Rio de Janeiro. Enquanto isso, o cônego estimula o casamento entre Ana Rosa e Dias. O cônego e Manuel acham que tudo está correndo bem até que Raimundo não aparece no embarque para o Rio de Janeiro. Isso porque, antes de partir, o rapaz decidiu se despedir de Ana Rosa.

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Nessa ocasião, em um ato desesperado, Ana Rosa arrasta Raimundo para o quarto dela, e ele acaba perdendo o navio. O rapaz volta a Rosário, na esperança de levar a mãe com ele para o Rio de Janeiro, “mas Domingas não se deixou apanhar e o infeliz teve de voltar só”. Enquanto isso, Dias e o cônego, comparsas, vigiam os passos de Raimundo e Ana Rosa.

Ana Rosa, pressionada pelo padrinho, acaba confessando que está grávida. Diante de tal revelação, “o cônego deu um salto para trás, ficando de boca aberta por muito tempo, a sacudir a cabeça”. Raimundo e Ana Rosa planejam fugir juntos, mas o cônego Diogo está atento ao comportamento de ambos.

Por fim, Manuel e Maria Bárbara ficam sabendo, horrorizados, da gravidez de Ana Rosa. O cônego Diogo convence Luís Dias a matar Raimundo. Assim, “Dias fechou os olhos e concentrou toda a energia no dedo que devia puxar o gatilho. A bala partiu, e Raimundo, com um gemido, prostrou-se contra a parede”.

Ao saber da “misteriosa” morte de Raimundo, Ana Rosa tem um ataque que lhe provoca um aborto. E seis anos depois:

Dias e Ana Rosa [estavam] casados havia quatro anos. Ele deixara crescer o bigode e aprumara-se todo; tinha até certo emproamento ricaço e um ar satisfeito e alinhado de quem espera por qualquer vapor o hábito da Rosa; a mulher engordara um pouco em demasia, mas ainda estava boa, [...].

Ia toda se saracoteando, muito preocupada em apanhar a cauda do seu vestido, e pensando, naturalmente, nos seus três filhinhos, que ficaram em casa a dormir.

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[...]

O Dias tomara o seu chapéu no corredor e, ao embarcar no carro, que esperava pelos dois lá embaixo, Ana Rosa levantara-lhe carinhosamente a gola da casaca.

— Agasalha bem o pescoço, Lulu! Ainda ontem tossiste tanto à noite, queridinho!...

Por fim, Raimundo não escapou ao determinismo, teoria pseudocientífica da época que defendia que o comportamento de um indivíduo estava determinado por sua raça. Assim, segundo a perspectiva naturalista, por ser “mulato”, o destino de Raimundo jamais poderia ser diferente, ou seja, tinha de ser trágico.

Características da obra O mulato

Estrutura da obra O mulato

O romance O mulato é composto por 19 capítulos.

Estilo literário da obra O mulato

O mulato é uma obra do naturalismo, estilo de época que apresenta características como:

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  • objetividade;

  • antirromantismo;

  • determinismo;

  • cientificismo;

  • personagens submetidos aos instintos;

  • análise do comportamento dos personagens.

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As obras naturalistas, em regra, apresentam uma visão racista amparada por teorias científicas equivocadas da época. No entanto, em O mulato, é perceptível também certa crítica ao preconceito racial.

Veja também: O Ateneu — obra de Raul Pompeia que também pertence ao naturalismo

Trechos da obra O mulato

“Manuel Pedro fora casado com uma senhora de Alcântara, chamada Mariana, muito virtuosa e, como a melhor parte das maranhenses, extremada em pontos de religião; quando morreu, deixou em legado seis escravos a Nossa Senhora do Carmo.”

“Maria Bárbara tinha grande admiração pelos portugueses, dedicava-lhes um entusiasmo sem limites, preferia-os em tudo aos brasileiros. Quando a filha foi pedida por Manuel Pedroso, então principiante no comércio da capital, ela dissera: Bem! Ao menos tenho a certeza de que é branco!”

“Depois de vários abortos, Domingas deu à luz um filho de José da Silva. Chamou-se o vigário da freguesia e, no ato do batismo da criança, esta, como a mãe, receberam solenemente a carta de alforria.”

“[...]. José prosperou rapidamente no Rosário; cercou a amante e o filho de cuidados; relacionou-se com a vizinhança, criou amizades, e, no fim de pouco tempo, recebia em casamento a Sra. D. Quitéria Inocência de Freitas Santiago, viúva, brasileira, rica, de muita religião e escrúpulos de sangue, e para quem um escravo não era um homem, e o fato de não ser branco, constituía só por si um crime.”

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“Estendida por terra, com os pés no tronco, cabeça raspada e mãos amarradas para trás, permanecia Domingas, completamente nua e com as partes genitais queimadas a ferro em brasa. Ao lado, o filhinho de três anos, gritava como um possesso, tentando abraçá-la, e, de cada vez que ele se aproximava da mãe, dois negros, à ordem de Quitéria, desviavam o relho das costas da escrava para dardejá-lo contra a criança. A megera, de pé, horrível, bêbada de cólera, ria-se, praguejava obscenidades, uivando nos espasmos flagrantes da cólera. Domingas, quase morta, gemia, estorcendo-se no chão. O desarranjo de suas palavras e dos seus gestos denunciava já sintomas de loucura.”

“Foi interrompido por Benedito que, nu da cintura para cima e acossado pela velha Bárbara, atravessou a sala com agilidade de macaco. As senhoras espantaram-se, mas abriram logo em gargalhadas. O moleque alcançara a porta da escada e fugira. Então, o Dias, que até aí se conservara quieto no seu canto, ergueu-se de um pulo e deitou a correr atrás dele. Desapareceram ambos.”

“Benedito era cria de Maria Bárbara; um pretinho seco, retinto, muito levado dos diabos; pernas compridas, beiços enormes, dentes branquíssimos. Quebrava muita louça e fugia de casa constantemente.”

“Por onde seguiam, Raimundo ia levantando a atenção de todos. As negrinhas corriam ao interior das casas, chamando em gritos a sinhá-moça para ver passar um moço bonito! Na rua, os linguarudos paravam com ar estúpido, para examiná-lo bem; os olhares mediam-no grosseiramente da cabeça aos pés, como em desafio; interrompiam-se as conversas dos grupos que ele encontrava na calçada.”

“O rapaz não teve remédio deu-lhe na boca um beijo tímido. Ela respondeu logo com dois ardentes. Então, o moço, a despeito de toda a sua energia moral, perturbou-se, esteve a desabar, um fogo subiu-lhe à cabeça; latejaram-lhe as fontes; e, no seu rosto congestionado e cálido, sentia respirar sofregamente o nariz frio de Ana Rosa. Porém teve mão em si: desprendeu-se dos braços dela com muita brandura, beijou-lhe respeitosamente as mãos e pediu-lhe que saísse.”

“Raimundo não pôde conter uma risada, e, como o outro se formalizara, acrescentou em tom sério que não desdenhava da religião, que a julgava até indispensável como elemento regulador da sociedade. Afiançou que admirava a natureza e rendia-lhe o seu culto, procurando estudá-la e conhecê-la nas suas leis e nos seus fenômenos, acompanhando os homens de ciência nas suas investigações, fazendo, enfim, o possível para ser útil aos seus semelhantes, tendo sempre por base a honestidade dos próprios atos.”

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“— Já vê o amigo que não é por mim que lhe recusei Ana Rosa mas é por tudo! A família de minha mulher sempre foi muito escrupulosa a esse respeito, e como ela é toda a sociedade do Maranhão! Concordo que seja uma asneira; concordo que seja um prejuízo tolo! O senhor porém não imagina o que é por cá a prevenção contra os mulatos!... Nunca me perdoariam um tal casamento; além do que, para realizá-lo, teria que quebrar a promessa que fiz a minha sogra, de não dar a neta senão a um branco de lei, português ou descendente direto de portugueses!... O senhor é um moço muito digno, muito merecedor de consideração, mas... foi forro à pia, e aqui ninguém o ignora.”

“Calaram-se ambos. Raimundo, pela primeira vez, sentiu-se infeliz; uma nascente má vontade contra os outros homens formava-se na sua alma até aí limpa e clara; na pureza do seu caráter o desgosto punha a primeira nódoa. E, querendo reagir, uma revolução operava-se dentro dele; ideias turvas, enlodadas de ódio e de vagos desejos de vingança, iam e vinham, atirando-se raivosos contra os sólidos princípios da sua moral e da sua honestidade, como num oceano a tempestade açula contra um rochedo os negros vagalhões encapelados. Uma só palavra boiava à superfície dos seus pensamentos: Mulato. E crescia, crescia, transformando-se em tenebrosa nuvem, que escondia todo o seu passado. Ideia parasita, que estrangulava todas as outras ideias.”

“E na brancura daquele caráter imaculado brotou, esfervilhando logo, uma ninhada de vermes destruidores, onde vinham o ódio, a vingança, a vergonha, o ressentimento, a inveja, a tristeza e a maldade. E no círculo do seu nojo, implacável e extenso, entrava o seu país, e quem este primeiro povoou, e quem então e agora o governava, e seu pai, que o fizera nascer escravo, e sua mãe, que colaborara nesse crime. Pois então de nada lhe valia ter sido bem educado e instruído; de nada lhe valia ser bom e honesto?... Pois naquela odiosa província, seus conterrâneos veriam nele, eternamente, uma criatura desprezível, a quem repelem todos do seu seio?...”

“O povo olhou todo para cima e viu uma coisa horrível. Ana Rosa, convulsa, doida, firmando no patamar das janelas as mãos, como duas garras, entranhava as unhas na madeira do balcão, com os olhos a rolarem sinistramente e com um riso medonho a escancarar-lhe a boca, as ventas dilatadas, os membros hirtos.”

Contexto histórico da obra O mulato

A obra O mulato transcorre no contexto do Segundo Império. Esse período, em que o Brasil foi governado pelo imperador D. Pedro II (1825-1891), consiste em uma época marcada por movimentos abolicionistas que levaram à abolição da escravatura em 1888. O período também foi marcado pela Guerra do Paraguai (1864-1870) e por problemas econômicos.

Nesse contexto, a obra de Aluísio Azevedo focaliza o preconceito racial, já que a escravidão ainda estava em curso no Brasil. E as pessoas negras, se não viviam na condição de escravizadas, sofriam forte preconceito e discriminação, mesmo sendo cidadãs legalmente livres.

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Aluísio Azevedo, autor da obra O mulato

Fotografia de Aluísio Azevedo, autor naturalista que escreveu “O mulato”, obra que inaugurou o naturalismo no Brasil.
Aluísio Azevedo foi um autor naturalista. Sua obra O mulato inaugurou o naturalismo no Brasil.

Aluísio Azevedo é o autor da obra O mulato. Ele nasceu no dia 14 de abril de 1857, na cidade de São Luís, no Maranhão. Foi fruto de um relacionamento escandaloso para a época, já que seus pais não eram casados. Mais tarde, trabalhou como caixeiro e estudou na Academia Imperial de Belas Artes, no Rio de Janeiro, cidade onde morava seu irmão e dramaturgo Artur Azevedo (1855-1908).

O autor, que também foi caricaturista, trabalhou como diplomata a partir de 1895. Seu primeiro sucesso como escritor foi a obra O mulato, romance que inaugurou o naturalismo brasileiro. Seu primeiro livro — Uma lágrima de mulher — é ainda romântico. Outra obra famosa sua é O cortiço. Aluísio Azevedo morreu em 21 de janeiro de 1913, em Buenos Aires, na Argentina.

Exercícios resolvidos sobre O mulato

Questão 1

(Ufla) Sobre a obra O mulato, de Aluísio Azevedo, constituem aspectos relevantes os citados nas seguintes alternativas, EXCETO:

A) Crítica social.

B) Triunfo do mal.

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C) Aspecto sexual.

D) Tolerância racial.

Resolução:

Alternativa D.

O protagonista da obra é vítima de racismo. Portanto, não existe, no romance, a tolerância racial.

Questão 2

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(Uefs)

Bem! Vê lá! Isso já me vai cheirando mal!... Ora dizes uma coisa; ora dizes outra!... O mês passado respondeste-me na varanda: “Pode ser” e agora, às duas por três, dizes que não! Sabes que só quero a tua felicidade... Não te contrario... Mas tu também não deves abusar!...

— Mas, gentes, o que foi que eu fiz?...

— Não estou dizendo que fizeste alguma coisa!... Só te aviso que prestes toda a atenção na tua escolha de noivo!... Nem quero imaginar que serias capaz de escolher uma pessoa

indigna de ti!...

— Mas, como, papai?... Fale claro!

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— Isto vai a quem toca! Não sei se me entendes!...

— Ora, seu Manuel! — exclamou Maria Bárbara, levantando-se e pousando no chão o enorme cachimbo de taquari do Pará.

— Você às vezes tem lembranças que parecem esquecimento! Pois então, uma menina, que eu eduquei, ia olhar... — e gritou com mais força — para quem, seu Manuel!?

— Bem, bem...

— Vejam se não é mesmo vontade de provocar uma criatura!...

— Bem, bem! Eu não digo isto para ofender!... — desculpou-se o negociante. — É que temos cá um rapaz bem-aparecido que...

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— Um cabra, berrou a sogra. — E era muito bem-feito que acontecesse qualquer coisa, para você ter mais cuidado no futuro com as suas hospedagens. Também só nessa cabeça entrava a maluqueira de andar metendo em casa crioulos cheios de fumaças! Hoje todos eles são assim! Súcia de apistolados!

AZEVEDO, Aluísio. O mulato. São Paulo: Martin Claret, 2006. p. 107.

O texto exemplifica uma literatura voltada para

A) o desnudamento das relações sociais movidas por interesse.

B) o registro satírico dos costumes de uma época.

C) a apreensão crítica do conflito de gerações.

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D) a defesa da mentalidade patriarcal.

E) a denúncia do preconceito racial.

Resolução:

Alternativa E.

O trecho de O mulato evidencia a denúncia do preconceito racial, preconceito que fica explícito no final do fragmento.

Crédito de imagem

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[1] Editora Moderna (reprodução)

Fontes

ABAURRE, Maria Luiza M.; PONTARA, Marcela. Literatura: tempos, leitores e leituras. 4. ed. São Paulo: Moderna, 2021.

ABL. Aluísio Azevedo: biografia. Disponível em: https://www.academia.org.br/academicos/aluisio-azevedo/biografia.

AZEVEDO, Aluísio. O mulato. São Paulo: Saraiva, 2010.

ENNE, Ana Lucia; SOUZA, Bruno Thebaldi de. O “Caso Capistrano” e o romance Casa de Pensão, de Aluísio Azevedo: algumas reflexões sobre ficção literária e ficção jornalística. Revista Galáxia, São Paulo, n. 18, p. 204-216, dez. 2009.

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SAES, Décio Azevedo Marques de. Capitalismo e processo político no Brasil: a via brasileira para o desenvolvimento do capitalismo. Novos Rumos, Marília, v. 52, n. 1, 2015. 

Capa do livro “O mulato”, de Aluísio Azevedo, publicado pela editora Moderna.
Capa do livro O mulato, de Aluísio Azevedo, publicado pela editora Moderna.[1]
Crédito da Imagem: Editora Moderna
Escritor do artigo
Escrito por: Warley Souza Professor de Português e Literatura, com licenciatura e mestrado em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Deseja fazer uma citação?
SOUZA, Warley. "O mulato"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/literatura/o-mulato.htm. Acesso em 24 de dezembro de 2025.
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