As Leis Jim Crow foram um conjunto de leis estaduais e municipais de segregação racial que vigoraram no Sul dos Estados Unidos entre o final do século XIX e a década de 1960. Elas foram estabelecidas logo após a Guerra Civil Norte-Americana (1861-1865), criando um sistema formal de separação racial em grande parte dos antigos estados escravistas e barreiras legais racistas que regulavam praticamente todos os ambientes de convivência social. Essas leis vigoraram até serem confrontadas e vencidas pelo movimento dos direitos civis nos anos de 1950 e 1960.
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Tópicos deste artigo
- 1 - Resumo sobre Leis Jim Crow
- 2 - O que são as Leis Jim Crow?
- 3 - Quais foram as Leis Jim Crow?
- 4 - Quem criou as Leis Jim Crow?
- 5 - Estados que tinham as Leis Jim Crow
- 6 - Quem foi Jim Crow?
- 7 - Fim das Leis Jim Crow
- 8 - Consequências das Leis Jim Crow
- 9 - Exercícios resolvidos sobre Leis Jim Crow
Resumo sobre Leis Jim Crow
- As Leis Jim Crow foram normas de segregação racial vigentes no Sul dos Estados Unidos, entre o fim do século XIX e a década de 1960.
- As leis separavam brancos e negros em escolas, transportes, serviços e praticamente todos os espaços públicos, e proibiam casamentos inter-raciais.
- Também havia leis eleitorais que excluíam a população negra, garantindo o domínio político das elites brancas e ajudando a manter a segregação.
- Surgiram como uma reação das elites brancas ao fim da escravidão.
- Foram criadas por assembleias estaduais e municipais controladas por políticos brancos democratas do Sul e validadas pela Suprema Corte dos Estados Unidos.
- Apenas o Sul dos Estados Unidos instituiu um sistema formal e abrangente de segregação, mas o racismo era e é um problema nacional.
- Jim Crow não foi uma pessoa real, mas um personagem de teatro criado em 1828 por atores brancos que faziam blackface e caricaturavam negros de forma humilhante na peça “Jump Jim Crow”.
- O termo se tornou uma forma pejorativa de se referir a afro-americanos e, posteriormente, foi adotado por brancos sulistas para apelidar as normas.
- O fim das Leis Jim Crow ocorreu gradualmente nas décadas de 1950 e 1960, impulsionado pelo movimento dos direitos civis, decisões judiciais e mudanças políticas.
- Em 1954, a Suprema Corte declarou inconstitucional a segregação escolar, após a mobilização da família da menina Linda Brown e de outras 12 famílias.
- Em 1955, Rosa Parks desencadeou o boicote aos ônibus de Montgomery, liderado por Martin Luther King, levando à proibição da segregação nos transportes em 1956 .
- Nos anos seguintes, outras mobilizações ampliaram a pressão, resultando no fim da segregação legal e das barreiras eleitorais, encerrando juridicamente o regime.
O que são as Leis Jim Crow?
As Leis Jim Crow foram um conjunto de leis estaduais e municipais de segregação racial que vigoraram no Sul dos Estados Unidos entre o final do século XIX e a década de 1960. Essas leis consolidaram, logo após a abolição da escravidão (1863) e a Guerra Civil Norte-Americana (1861-1865), um sistema formal de separação racial naquele país, em grande parte dos antigos estados escravistas.
Essas leis criaram barreiras legais racistas que regulavam escolas, transportes, espaços e serviços públicos, hospitais, banheiros, fontes de água e, praticamente, todos os ambientes de convivência social. Vigoraram e moldaram as relações raciais naquele país até o movimento dos direitos civis nos anos de 1950 e 1960, que se opôs a essas leis e conseguiu extingui-las.
Esse sistema não surgiu imediatamente após o fim da Guerra Civil, em 1865, mas evoluiu gradualmente, como uma resposta política e social das elites brancas do Sul ao fim da escravidão e ao avanço dos direitos civis da população negra durante o período da reconstrução dos estados derrotados no pós-guerra. A maior parte desses regimes estaduais de subordinação racial dos negros se consolidou entre as décadas de 1870 e 1890. Essas leis institucionalizaram o racismo nos governos desses estados sulistas, reforçando a supremacia branca por meio de mecanismos legais, eleitorais e econômicos.
Esse sistema, fundado em leis estaduais, claramente conflitava, em termos filosóficos, com os fundamentos da Constituição dos Estados Unidos, fortemente assentada em valores iluministas e, especialmente, com o espírito das 13ª, 14ª e 15ª emendas àquela Magna Carta: a 13ª Emenda (1865) elevou à categoria constitucional a proibição da escravidão; a 14ª Emenda (1868) concedeu cidadania e proteção legal igualitária a afro-americanos e ex-escravizados; e a 15ª Emenda (1870) proibiu a negação do direito de voto com base em raça, cor ou condição anterior de escravidão.
Com base na flagrante inconstitucionalidade dessas leis estaduais, um caso foi levado à Suprema Corte dos EUA: foi o célebre caso Plessy v. Ferguson (1896). A decisão da maioria dos ministros foi a favor da constitucionalidade dessas leis. Assim, a Suprema Corte acabou por legitimá-las por meio da doutrina separate but equal (“separados, mas iguais”), permitindo, categoricamente, leis que estabelecessem a segregação racial, desde que as instalações fossem “separadas, mas iguais”.
Além dessas leis raciais, havia nesses estados uma estrutura maior de controle racial, que reforçava hierarquias e papéis sociais rigidamente definidos para brancos e negros. Um exemplo dessas práticas de coerção social era o arrendamento de condenados, um sistema de trabalho penal forçado, praticado principalmente nos estados do Sul, que permitia que governos estaduais e municipais alugassem prisioneiros para empresas e indivíduos privados, como plantações, minas e ferrovias. Essas formas de trabalho forçado eram impostas majoritariamente a homens negros, configurando continuidades diretas com a lógica da escravidão|1|.
Veja também: Ku Klux Klan — organização racista que praticou o terrorismo contra negros nos Estados Unidos
Quais foram as Leis Jim Crow?
As Leis Jim Crow consistiam em dezenas de normas e, apesar de serem muitas, as mais comuns exigiam a segregação de pessoas negras e brancas em espaços públicos. Veja algumas delas:
- Escolas públicas: crianças negras e brancas eram obrigatoriamente (por lei) separadas e estudavam em escolas diferentes.
- Transporte público: bondes urbanos, vagões de trem e, posteriormente, ônibus tinham obrigatoriamente áreas demarcadas para negros.
- Instalações públicas como piscinas públicas, banheiros públicos, bebedouros, parques, praças, bibliotecas, hospitais, tudo isso era dividido obrigatoriamente por raça sob o ditame das leis segregacionistas.
- Locais privados abertos ao público como restaurantes, teatros, cinemas e hotéis eram obrigatoriamente segregados, independentemente do desejo do proprietário do estabelecimento, que ficava sujeito a sansões caso não as cumprisse.
- Serviços públicos: nas repartições públicas, os balcões de atendimento, salas de espera e tribunais também segregados.
- Proibição de casamentos inter-raciais: havia leis proibindo casamentos entre pessoas de diferentes raças que vigoraram em diversos estados do Sul dos EUA até os anos de 1960.
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Leis eleitorais excludentes
Além das leis segregacionistas para espaços e serviços públicos e as leis proibindo a miscigenação, havia também leis concebidas especificamente para excluir eleitoralmente a população negra, com dispositivos que bloqueavam, na prática, o voto nesses estados. Um tipo comum dessas leis foram as poll taxes (taxas eleitorais) cobradas para participação eleitoral e aplicadas de forma mais sistemática a partir dos anos 1890, sobretudo nos estados do Mississippi, Alabama, Geórgia, Louisiana e Carolina do Sul.
Para votar na eleição de 1904, por exemplo, uma pessoa precisava ter pagado a poll tax em 1903. Se ela perdesse o prazo, perdia automaticamente o direito de se registrar. Boa parte dos trabalhadores negros vivia da agricultura de subsistência e tinha uma renda muito instável e inferior à da população branca. Além disso, não conseguir pagar uma única vez significava ficar fora do registro por anos. O resultado era que votar se tornava oneroso para a população negra muito pobre desses estados.
Outro mecanismo legal criado com a intenção de excluir ou limitar a participação eleitoral da população negra nesses estados foram os testes de alfabetização. A população negra recém-liberta foi mantida por décadas em condições de acesso extremamente limitado à educação pública. Estados como Mississippi, Alabama e Geórgia investiam pouco em escolas para negros e, durante a própria escravidão, era proibido ensinar pessoas escravizadas a ler e escrever.
Assim, quando os estados sulistas começaram a exigir testes de alfabetização entre as décadas de 1880 e 1890, a grande maioria dos homens negros adultos simplesmente não havia tido nenhuma oportunidade real de escolarização, tornando praticamente impossível atender aos requisitos e poder votar ou ser votado.
Um terceiro artifício de exclusão eleitoral da população negra nesses estados, de maioria negra e governados por homens brancos, foram as grandfather clauses (cláusulas do avô). Funcionavam assim: um cidadão só estaria isento de cumprir certos requisitos eleitorais, como as poll taxes e os testes de alfabetização, se ele, seu pai ou seu avô tivesse tido o direito de votar antes da Guerra Civil. Porém, antes da Guerra Civil, praticamente nenhum homem negro tinha direito ao voto no Sul, enquanto a maioria dos homens brancos o possuía.
Essa cláusula foi criada porque havia também muitos brancos analfabetos e pobres o suficiente para não quererem pagar taxas eleitorais nessa época, o que os excluiria também das votações. No entanto, esse terceiro tipo de lei garantia que quase todos os brancos fossem protegidos das barreiras eleitorais e pudessem votar normalmente, colocando todo o peso dessas barreiras somente na população negra, para quem essas leis excludentes foram concebidas.
As leis que excluíam a população negra do jogo político perpetuaram as leis segregacionistas injustas nesses estados até os anos de 1960, simplesmente porque o governo era feito por homens brancos, que eram minoria nesses estados, mas representavam a grande maioria (quase todos) de seus eleitores.
Quem criou as Leis Jim Crow?
As Jim Crow Laws não foram criadas por uma única pessoa, mas sim por um conjunto de assembleias estaduais e municipais nas mãos de políticos brancos do Partido Democrata, que viam na segregação racial e na exclusão eleitoral dos negros — que eram a maioria da população de vários estados e municípios do Sul — um meio de preservar seu poder e seus privilégios e restaurar a hierarquia racial após a derrota desses estados na Guerra Civil.
Depois da vitória do Norte (Estados Unidos) sobre o Sul escravista (Confederados), houve um período de ocupação militar desses estados derrotados. Após a retirada das tropas federais, em 1877, eles recuperaram a autonomia para legislar sobre questões sociais e raciais, e suas elites brancas reassumiram o poder e implementaram gradualmente essas normas racialmente excludentes.
A maior responsabilidade institucional pela implementação dessas leis foi, portanto, dos Poderes Legislativos estaduais, que estavam nas mãos dessas elites brancas e que colocaram em prática uma agenda formal de supremacia branca. Estados como Mississipi, Louisiana, Alabama, Geórgia e Carolina do Sul foram pioneiros na implementação dessas leis.
No entanto, consolidação dessas leis foi feita pelo Poder Judiciário, que considerou constitucionais tais normas. O caso decisivo foi o Plessy vs Ferguson (1896), no qual a Suprema Corte validou a doutrina separate but equal (“separados, mas iguais”) que ofereceu legitimidade nacional a essas legislações estaduais segregacionistas.
Além das legislações estaduais e da aprovação do Judiciário, muitas normas locais foram acrescidas às estaduais por meio de decretos e leis municipais, em que prefeitos, xerifes, conselhos municipais (“Câmara dos Vereadores”) não só aplicavam como reforçavam e aprofundavam essas normas de segregação.
Estados que tinham as Leis Jim Crow
A Leis Jim Crow foram aplicadas, em diferentes graus, principalmente nos estados do Sul dos Estados Unidos, onde a escravidão era mão de obra ostensivamente utilizada antes da Guerra Civil e onde a população negra era maior. São eles:
- Alabama,
- Arkansas,
- Kansas,
- Flórida,
- Geórgia,
- Kentucky,
- Louisiana,
- Mississippi,
- Missouri,
- Carolina do Norte,
- Carolina do Sul,
- Tennessee,
- Texas e
- Virgínia.
Embora todos esses estados aplicassem leis segregacionistas e excludentes, havia variações no rigor e na abrangência das medidas implantadas entre eles.
Essas leis segregacionistas foram aplicadas antes, de forma mais extensa e com mais rigor, de maneira geral, nos estados do chamado Deep South (“Sul Profundo”), que eram os mais racistas e o núcleo mais rígido da segregação: Mississipi, Alabama, Louisiana, Georgia e South Carolina.
Havia também os estados do chamado Upper South e da periferia do regime segregacionista, que também aprovaram leis segregacionistas na virada do século XIX para o XX, mas, em geral, com menos rigor e de maneira menos extensa, que foram: Carolina do Norte, Virgínia, Tennessee, Arkansas, Kansas, Texas, Flórida, Kentucky e Missouri.
Muitos estados fora das listas acima também praticavam discriminação racial, mas não através de leis formais e tão abrangentes quanto as Jim Crow Laws dos estados sulistas. É importante ressaltar que o problema do racismo, inclusive o institucional e estrutural, abrangia e ainda abrange todos os estados dos Estados Unidos e não somente aqueles do Sul onde havia as leis segregacionistas, ainda que de maneira menos institucionalizada e ostensiva.
Quem foi Jim Crow?
O nome “Jim Crow” não se originou de uma pessoa real, mas de um personagem de teatro criado no início do século XIX, em que atores brancos se pintavam como negros (faziam “blackface”) e representavam um personagem negro caricatural, em tom jocoso e humilhante, em uma peça chamada Jump Jim Crow (“Pule, Jim Crow”).
O primeiro ator branco a representar esse personagem negro em forma de chacota foi Thomas Darthmouth Rice, em 1828. O negro era representado nessa peça com traços exagerados, voz grotesca e movimentos ridicularizados, ou seja, claramente baseado em ideais racistas. Esse tipo de apresentação era extremamente popular entre o público branco dos estados do Sul dos Estados Unidos, o que ajudou a disseminar estereótipos racistas no país.
Ao longo do século XIX, o nome “Jim Crow” passou a ser usado de forma pejorativa para se referir a afro-americanos de maneira geral. Dessa forma, quando as leis segregacionistas começaram a ser implantadas nos anos de 1870, o termo já estava profundamente enraizado e associado à ideia de inferioridade racial dos negros no âmbito da cultura popular branca, razão pela qual as leis receberam esse “apelido”.
É bom ressaltar que as leis segregacionistas não foram nomeadas oficialmente como “Jim Crow”, cada uma tinha seu nome, um mais formal e mais técnico que o outro. O apelido de “Leis Jim Crow” foi dado pelos próprios brancos sulistas, em tom de piada, que perceberam como essas leis formavam um conjunto e qual o exato propósito delas.
Fim das Leis Jim Crow
O fim das Leis Jim Crow ocorreu de forma gradual ao longo das décadas de 1950 e 1960, como resultado da pressão combinada do movimento dos direitos civis, de decisões judiciais históricas e de mudanças no cenário político nacional dos Estados Unidos e do mundo. O sistema de segregação começou a ruir quando passou a ser abertamente contestado tanto nas universidades, quanto nos tribunais e nas ruas.
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Caso Linda Brown e o fim da segregação nas escolas (1954)
A primeira grande ruptura nesse sistema se deu em 1954 quando a Suprema Corte dos EUA, por meio do histórico caso Brown vs Board of Education, declarou inconstitucional a segregação racial nas escolas públicas. A mais alta Corte do país finalmente alterou aquela jurisprudência que vinha do caso Plessy v. Ferguson (1896) e afirmou que “instalações educacionais separadas são inerentemente desiguais”. Com isso, a segregação escolar com base na doutrina “separados mas iguais”, do caso de 1896, foi desmantelada.
Esse caso começou em Topeka, no Kansas, com uma menina de nove anos, Linda Brown. Essa garotinha negra morava a apenas algumas quadras de uma escola para brancos. Apesar da proximidade, ela era proibida legalmente de estudar ali. Seu pai, Oliver Brown, pastor e trabalhador ferroviário, não aceitava essa injustiça e, em 1951, tentou matricular Linda na escola branca e foi formalmente recusado pela diretoria. A luta não foi só da família Brown, 13 famílias afro-americanas em Topeka decidiram se unir a eles e processar o Conselho Escolar com base na Constituição dos Estados Unidos.
O caso foi assumido pela NAACP (Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor, em português), e o principal advogado responsável pelo caso foi Thurgood Marshall, ele próprio, sendo negro, havia sido impedido de estudar na Universidade de Maryland devido à segregação. O caso não envolveu apenas o Kansas, ele foi apresentando em conjunto com outros casos de segregação similares na Carolina do Sul, Virgínia e Washington D.C., o que ocasionou a repercussão nacional.
Em 17 de maio de 1954, saiu a decisão histórica da Corte: “Instalações educacionais separadas são inerentemente desiguais.” A decisão foi unânime: 9 a 0, uma raridade em casos extremamente polêmicos como esse. Eram palavras que derrubavam quase 60 anos de endosso judicial para a segregação no país.
Os governos e as populações brancas do Sul dos EUA reagiram com força contra essa mudança. Foi organizada a chamada Resistência Maciça, movimento político organizado por estados sulistas para impedir a integração dos negros. Ocorreram diversos ataques a escolas integradas (onde brancos e negros, agora, estudavam juntos), como em Little Rock (1957). Em alguns lugares, optou-se pelo fechamento de sistemas escolares inteiros, como em Prince Edward County, que fechou todas as escolas públicas por cinco anos para evitar a integração.
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Caso Rosa Parks e o fim da segregação nos ônibus (1955)
No dia 1º de dezembro de 1955, em Montgomery, Estado do Alabama, Rosa Parks, uma costureira de 42 anos e ativista local do NAACP, entrou num ônibus e se sentou na primeira fileira da área destinada a negros. Pouco depois, o ônibus encheu. Um passageiro branco ficou em pé. O motorista, branco e já conhecido por destratar passageiros negros, ordenou que Parks e outros três afro-americanos se levantassem. Os três se levantaram. Rosa Parks não. O motorista chamou a polícia. Rosa Parks foi presa, fichada e levada à cadeia sob a acusação de violar as leis de segregação.
Na noite de sua prisão, líderes da comunidade negra reuniram-se na igreja local, entre eles um jovem pastor recém-chegado à cidade, Martin Luther King. Eles organizaram um boicote aos ônibus da cidade por tempo indeterminado, uma tática de não violência, típica desse movimento. No dia seguinte, 5 de dezembro de 1955, quase 100% da população negra, responsável por cerca de 70% dos passageiros, deixou de usar os ônibus. O boicote durou 381 dias e gerou enormes prejuízos às empresas de ônibus.
Durante esse período, pessoas negras caminhavam quilômetros até o trabalho, caronas solidárias foram organizadas, igrejas arrecadavam dinheiro para pneus e gasolina, enquanto motoristas voluntários enfrentavam prisões, ameaças e violência. A resposta das elites brancas do Sul segregacionista foi brutal: casas de líderes negros foram bombardeadas (incluindo a de Martin Luther King e de E.D. Nixon, líder da NAACP), motoristas negros foram presos, organizações brancas extremistas ameaçavam linchar manifestantes e ônibus eram atacados. Mesmo assim, o boicote não recuou.
Em 13 de novembro de 1956, a Suprema Corte dos EUA decidiu que a segregação em ônibus era inconstitucional, citando a lógica de Brown vs Board of Education (1954) como precedente contra a segregação. Em dezembro daquele ano, Montgomery foi obrigada a integrar seus ônibus. Rosa Parks voltou a entrar em um ônibus e sentou-se onde bem quisesse.
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Movimento dos direitos civis (anos 1950 e 1960)
O período que vai de meados dos anos de 1950 até o final dos anos de 1960 é de grande transformação nas questões raciais nos Estados Unidos, pois é o momento de ascensão do movimento dos direitos civis, encabeçado por líderes de grande expressão como o pastor batista Martin Luther King Jr.
Grandes mobilizações foram organizadas para que as leis segregacionistas fossem superadas no país, como as de Montgomery (1955-1956), os sit-ins de Greensboro (1960), a Freedom Summer (1964) e a célebre Marcha de Selma (1965), que expuseram os horrores da segregação e da violência racial cotidiana no Sul do país e angariaram apoio para a causa em todo o país de pessoas de todas as cores.
As mobilizações e a pressão deram resultado e, em 2 de julho de 1964, a Lei Federal dos Direitos Civis foi sancionada pelo presidente Lyndon Johnson proibindo a segregação racial em escolas, hotéis, restaurantes, teatros, comércio interestadual e instalações públicas em geral. Essa lei efetivamente tornou ilegal a maior parte das antigas Leis Jim Crow.
No ano seguinte, em 1965, foi sancionada a Lei Federal de Direitos de Voto que complementou a lei anterior, proibindo aqueles antigos mecanismos de exclusão eleitoral da população negra (as taxas de votação e os testes de alfabetização) e demais barreiras que impedissem a plena capacidade dos afro-americanos de votar e serem votados (poderem se candidatar).
Em conjunto, essas grandes decisões judiciais, os movimentos políticos de porte nacional e a implementação de leis federais encerraram, do ponto de vista jurídico, o regime formal de segregação racial que dominou tantos estados do Sul dos EUA ao longo de cerca de 70 anos.
Consequências das Leis Jim Crow
As consequências das Leis Jim Crow foram profundas, duradouras e estruturam desigualdades raciais que ainda hoje marcam os Estados Unidos. Mesmo após o fim da segregação oficial nos anos de 1960, os efeitos sociais, econômicos e políticos do regime permaneceram enraizados na sociedade estadunidense.
Do ponto de vista econômico e social, o sistema Jim Crow consolidou um padrão de pobreza estrutural para a população negra, resultado de décadas de exclusão educacional, o que levou a limitações severas ao acesso a empregos qualificados e, com isso, baixos salários ao longo de várias gerações.
Outra consequência foi o surgimento de uma segregação residencial e educacional persistente. Mesmo após a derrubada dessas leis na década de 1960, a segregação continuou nesses estados por meio de bairros racialmente separados, escolas predominantemente brancas ou negras, desigualdades severas no financiamento escolar e barreiras de informações mais ou menos camufladas de oportunidades de ascensão social. Esse padrão originado nas Leis Jim Crow moldou a geografia racial atual das grandes cidades americanas do Sul dos Estados Unidos.
Do ponto de vista político, a exclusão é histórica. Até os anos de 1960, o voto afro-americano foi excluído do processo democrático por mais de 70 anos, o que permitiu que as elites brancas desses estados monopolizassem o poder, influenciando políticas públicas e investimentos que favoreciam as populações brancas, com consequências estruturais que permanecem muitas décadas após o fim dessas leis.
Além disso, há também o impacto psicológico e social dessas leis provocando, ainda hoje, um sentimento de medo constante da população afro-americana, a vivência de humilhação cotidiana, a vigilância racial pelas forças de segurança do Estado, bem como a violência tanto física quanto simbólica.
Como exemplo dessa violência ostensiva das forças de segurança contra a população afro-americana, bem como sua reação com essa injustiça histórica, podemos citar a chamada Revolta de Los Angeles, em 1992, desencadeada pela absolvição de quatro policiais brancos envolvidos no espancamento brutal de Rodney King, um motorista negro. A absolvição, vista como uma falha da justiça pela população, provocou uma explosão de raiva e frustração que durou vários dias, com mais de 50 mortes.
Outro caso mais recente envolve os protestos nacionais em 2020, sob o slogan Black Lives Matter (“Vidas Negras Importam”), desencadeados após o assassinato de George Floyd por um policial em Minneapolis, registrado em um vídeo que mostra o policial pressionando o joelho sobre seu pescoço.
O episódio provocou uma onda de protestos não só nos Estados Unidos como no mundo todo contra a brutalidade policial e o racismo sistêmico, mostrando que o que ocorreu naquele país dialoga com as injustiças raciais em diversos outros países, inclusive no Brasil, que foi o último país do Ocidente a abolir a escravidão e o maior país escravista das Américas, tendo escravizado milhões de pessoas a mais que os Estados Unidos|2|.
Saiba mais: Malcon X — outro ativista afro-americano da luta contra o racismo e a segregação
Exercícios resolvidos sobre Leis Jim Crow
Questão 1
O sistema de segregação racial, conhecido como Leis Jim Crow, estruturou a vida social no Sul dos Estados Unidos entre o fim do século XIX e a década de 1960. Pesquisas de C. Vann Woodward, Edward L. Ayers e James C. Cobb mostram que esse conjunto de normas envolvia a separação de pessoas brancas e negras em espaços públicos, a exclusão política da população negra e mecanismos econômicos e penais que mantinham hierarquias raciais.
Com base nessas características, o regime Jim Crow pode ser entendido como:
A) um sistema de regulação moral voltado a preservar tradições culturais dos estados do Sul.
B) uma política temporária criada para reduzir conflitos raciais após a Guerra Civil Americana.
C) um modelo educacional que defendia escolas separadas para melhorar o desempenho de estudantes brancos e negros.
D) um conjunto de práticas formais e informais destinado a manter a supremacia branca por meio de segregação legal, exclusão política e exploração econômica.
E) um projeto social voltado à integração racial gradual entre brancos e negros.
Resposta: D
As Leis Jim Crow formavam um sistema de segregação legal que separava serviços, escolas e espaços públicos; ao mesmo tempo, restringiam o voto de afro-americanos e mantinham estruturas de dominação econômica e social. Esse sistema incluía mecanismos de coerção laboral, como o trabalho forçado de presos negros. Portanto, tratava-se de um regime destinado a preservar a supremacia branca, não a promover integração. As alternativas A, B e C distorcem o propósito histórico; a E representa o contrário do que Jim Crow realmente buscava.
Questão 2
Pesquisas de Douglas A. Blackmon, Howard Winant e depoimentos do Civil Rights History Project mostram que os efeitos das Leis Jim Crow continuaram a influenciar a sociedade norte-americana mesmo após serem sancionadas a Lei Federal dos Direitos Civis (Civil Rights Act, de1964) e a Lei Federal de Direitos de Voto (Voting Rights Act, de 1965). Uma consequência direta desse legado histórico é:
A) a eliminação completa de desigualdades entre brancos e negros nas áreas urbana e rural.
B) a criação de políticas públicas que garantiram igualdade plena de renda e escolaridade entre grupos raciais.
C) a permanência de desigualdades estruturais, como segregação residencial, disparidades educacionais e diferenças no sistema de justiça.
D) a substituição da segregação por um sistema homogêneo de distribuição populacional baseado exclusivamente em critérios socioeconômicos.
E) a redução significativa das taxas de encarceramento da população negra devido ao fim das práticas de trabalho forçado.
Resposta: C
O racismo institucional se manteve nas estruturas sociais mesmo após o fim legal da segregação, o que inclui diferenças de renda, segregação urbana e desigualdades no sistema de justiça. Práticas penais seletivas contra negros continuaram a operar mesmo depois das Leis Jim Crow, invalidando a alternativa E.
As alternativas A e B são incompatíveis com a realidade histórica documentada. A alternativa D incorretamente afirma que a segregação desapareceu completamente ou se tornou apenas socioeconômica.
Notas
|1| BLACKMON, Douglas A. Slavery by Another Name: The Re-Enslavement of Black Americans from the Civil War to World War II. New York: Anchor Books / Doubleday, 2008.
|2| ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul, séculos XVI e XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
Créditos da imagem
|1| Rowland Scherman / Adam Cuerden / Wikimedia Commons (reprodução)
|2| BradleyStearn/ Shutterstock
Fontes
AYERS, Edward L. Origins of the Jim Crow South: Race Relations and the Post-Emancipation Era. American Historical Review, vol. 97, nº 3, 1992.
BLACKMON, Douglas A. Slavery by Another Name: The Re-Enslavement of Black Americans from the Civil War to World War II. New York: Anchor Books / Doubleday, 2008.
COBB, James C. Segregation and the Legacy of Institutional Racism in the American South. The Journal of Southern History, vol. 56, nº 4, 1990.
LIBRARY OF CONGRESS. Civil Rights History Project. Washington, D.C.: Library of Congress; Smithsonian Institution; National Museum of African American History & Culture.
WINANT, Howard. Jim Crow, Civil Rights, and the Sociology of Racism. Du Bois Review, v. 1, n. 1, 2004.
WOODWARD, C. Vann. The Strange Career of Jim Crow. Oxford; New York: Oxford University Press, 2002.