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Um dos movimentos políticos mais expressivos nascidos no século XIX foi o anarquismo. Anarquia é uma palavra que vem do grego e significa “sem governo” e, ao mesmo tempo, “sem ordem”. O movimento anarquista nasceu na segunda metade do século XIX, no seio do pensamento socialista europeu e das organizações de trabalhadores. Duas das fontes principais para a constituição desse movimento foram as obras de Joseph Proudhon e Max Stirner, que apregoavam ideias revolucionárias contra a sociedade burguesa industrial e liberal formada na passagem do século XVIII para o XIX. A esses autores seguiram-se outros, que passaram a ser identificados como anarquistas de fato. É o caso dos russos Mikhail Bakunin e Piort Kropotkin, bem como do italiano Errico Malatesta.
O principal ideal do anarquismo era o fim do Estado, isto é, o fim da estrutura política tradicional, representada pelas instituições modernas. Entre as estratégias para atingir esse objetivo, incluíam-se algumas ações que se aproximavam do socialismo (embora houvesse bastante divergência entre eles), como a articulação com o operariado por meio dos sindicatos e associações de trabalhadores. Todavia, havia também as chamadas “ações ilegalistas”, como o terrorismo. O terrorismo anarquista era geralmente praticado por “células”, homens que agiam sozinhos, mas que estavam intimante absorvidos pelas ideias anarquistas.
O tipo de terrorismo praticado pelos anarquistas incluía, principalmente, atentados contra lugares públicos com o uso de bombas. Os lugares escolhidos para tais atentados eram considerados “símbolos” da burguesia – tida pelos anarquistas, assim como pelos socialistas, como a classe mantenedora do status quo tanto da sociedade industrial quanto das instituições estatais. Entre esses lugares, estavam casas de autoridades (jurídicas ou políticas), cafés e restaurantes “frequentados por burgueses” e órgãos do Estado.
Na década de 1890 ocorreu um surto de atentados anarquistas em várias regiões do continente europeu. Na década anterior, os casos ocorriam muito esporadicamente, mas, como diz o pesquisador Edgar Carone em seu livro “Socialismo e anarquismo no início do século”, a partir de 1892, houve uma verdadeira ''epidemia de terrorismo” anarquista. Carone cita quatro casos principais ocorridos na França:
O primeiro ato da série a provocar o clima de incerteza é o caso de Ravachol. Este, em março de 1892, torna-se responsável por duas explosões de dinamite em residências de autoridades judiciais. Ele é preso e confessa ter violado sepulturas, estrangulado uma velha e se apossado de seu dinheiro. Em dezembro de 1893 temos a explosão na Câmara dos Deputados, ato praticado por Vaillant. Em fevereiro de 1894, Emile Henry joga bomba no Café Terminus, localizado na Estação de Saint Lazare. Em junho de 1894, o italiano Caserius assassina o Presidente da França, Sadi-Carnot. [1]
O penúltimo caso, o de Émile Henry, ficou famoso em virtude do pronunciamento que o acusado fez em sua defesa, quando estava preso. Henry disse ter refletido, no momento em que preparava a bomba para um de seus atentados (ele tinha então 21 anos de idade), sobre uma pergunta que haviam feito a Ravachol. Essa reflexão pode ser encontrada no livro “Antologia da Maldade”, de Gustavo Franco e Fábio Giambiagi. Veja um trecho:
“Assim, preparei uma bomba. Num certo momento, lembrei-me da acusação que havia sido feita em Ravachol. E as vítimas inocentes? Mas logo resolvi esse problema. Os edifícios onde a Companhia Carmoux mantinha seus escritórios eram habitados apenas por burgueses: não havia, portanto, inocentes.” [2]
A “crença” de Henry sobre a ausência de inocentes vitimados por seus atentados reflete um dado importante sobre o tipo de radicalização política que foi frequentemente visto tanto no anarquismo quanto no comunismo ou no fascismo: a característica de “religião política”. A “fé revolucionária”, que movimenta seu agente “devoto” em direção à construção de uma sociedade futura perfeita, leva-o a promover o caos e a adotar qualquer medida, inclusive a morte de inocentes. Não é à toa que filósofos contemporâneos, como o inglês John Gray, em seu livro “Al-Qaeda: ou o que significa ser moderno”, traçam uma linha direta entre a postura dos terroristas europeus do fim do século XIX e início do século XX com os terroristas muçulmanos do fim do século XX e início do século XXI.
NOTAS
[1] CARONE, Edgar. Socialismo e anarquismo no início do século. Petrópolis; Rio de Janeiro: Vozes, 1995. pp. 133-34.
[2] FRANCO, Gustavo H.B.; GIAMBIAGI, Fábio. Antologia da Maldade – Um dicionário de citações, associações ilícitas e ligações perigosas. Rio de Janeiro: Zahar, 2015.
Por Me. Cláudio Fernandes