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Cidades-esponja e o combate às inundações no Brasil

Saiba como as cidades-esponja podem ser utilizadas no Brasil lendo nossa conversa com Kongjian Yu, o arquiteto da China que criou este conceito.

Em 05/07/2024 09h00 , atualizado em 08/07/2024 13h25
Ciades-esponja em alusão a solução para as inundações
Cidade-esponja de Sanya, na China Crédito da Imagem: Divulgação: Turenscape
Ouça o texto abaixo!

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Inundações são uma ameaça crescente para a população brasileira. De acordo com um levantamento feito pelo Governo Federal, dos 5.570 municípios brasileiros, 1.942 são considerados “mais suscetíveis à ocorrência de desastres”, tais como inundações. 

Apenas em Salvador, 1.217.527 de pessoas moram em áreas de risco. Diante desse desafio, as soluções apresentadas e testadas no Brasil, até o momento, tentam manter a água fora das cidades, com bombas, muros, barragens, entre outros artifícios.

Entretanto, estes instrumentos têm falhado em cidades importantes, como foi possível perceber na inundação do Rio Grande do Sul, que deixou mais de 100 mortos e 70.000 desabrigados. 

Mas, esses desafios não são uma particularidade brasileira, outros povos também lidam com inundações há vários anos. Com o avanço das mudanças climáticas, esses eventos têm se intensificado, e junto deles, a busca por soluções.

Uma resposta promissora e abrangente, que tem sido utilizada na China (e em outros países como Estado Unidos e Alemanha) são as cidades-esponja, conceito desenvolvido pelo arquiteto Kongjian Yu, fundador da Turenscape, escritório especializado em arquitetura paisagística e urbanismo.

Sanya, uma das cidades chinesas que implementou as soluções provenientes da cidade-esponja, na China. Créditos: Divulgação-Turenscape

Conversamos com ele para entender mais desse projeto e sobre como ele pode ser utilizado no Brasil. Veja tudo que descobrimos!

Kongjian Yu. Créditos: Divulgação-Turenscape

Kongjian Yu e seu interesse pelas soluções ecológicas

Começamos a entrevista questionando o arquiteto como se originou o seu interesse por soluções ecológicas para os desafios impostos pelas mudanças climáticas. Ele compartilha que cresceu na China rural e, por isso, conheceu técnicas de agricultura tradicional que conviviam em harmonia com a natureza.

O arquiteto declara que essa parte do seu desenvolvimento incutiu nele um respeito enorme pela natureza e seus princípios. Com essa mentalidade, ele iniciou sua trajetória acadêmica em arquitetura e planejamento urbano.

Vista de um dos parques feitos em Sanya, na China. Créditos: Divulgação-Turenscape

Kongjian Yu falou:

“Tornei-me cada vez mais consciente dos impactos prejudiciais das práticas convencionais de desenvolvimento urbano. Essas práticas, geralmente, priorizam os ganhos econômicos de curto prazo em detrimento da sustentabilidade ambiental de longo prazo, levando a problemas como inundações urbanas, escassez de água e degradação ecológica. A urgência de enfrentar esses desafios tornou-se evidente, e eu me senti compelido a buscar soluções inovadoras e baseadas na natureza.” (Traduzido do inglês)

Ele realizou seus estudos em Harvard, onde teve acesso a professores diferenciados e pesquisas de ponta. Dessa forma, ele se aprofundou nos princípios da arquitetura de paisagens e do design ecológico. 

Kongjian Yu percebeu que a integração de processos naturais com o planejamento urbano permitia a criação de cidades resilientes, sustentáveis, que não só mitigam os impactos das mudanças climáticas, como também melhoram a qualidade de vida dos residentes.

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O que são cidades-esponja e como elas podem ajudar contra as inundações?

O pioneiro das cidades-esponja nos explica que elas consistem em áreas urbanas, projetadas para absorver, armazenar e purificar a água da chuva, bem como fazem as esponjas. 

Ele detalha:

O conceito envolve a utilização de infraestrutura verde - como áreas úmidas, telhados verdes, pavimentos permeáveis e florestas urbanas - para gerenciar naturalmente as águas pluviais. Essa abordagem contrasta fortemente com os sistemas tradicionais de drenagem urbana que dependem fortemente de canais e tubos de concreto para desviar a água das áreas urbanas.” (Traduzido do inglês)

Veja como exemplo, o parque-floresta Benchakitti feito em Bangkok, Tailândia:

Créditos: Divulgação-Turenscape

Kongjian Yu ainda conta que a inspiração desta ideia vem de civilizações antigas que, por séculos, utilizam soluções baseadas na natureza para manejar a água conforme seus interesses. O arquiteto explica:

“Na China antiga, por exemplo, as práticas agrícolas, como os campos de arroz e a agricultura em terraços, incorporavam sistemas naturais de retenção e filtragem de água. Essas técnicas tradicionais demonstraram uma profunda compreensão do ciclo hidrológico natural e de sua função na manutenção dos assentamentos humanos.” (Traduzido do inglês)

Ao revisitar e adaptar essas antigas técnicas, as cidades-esponja unem conhecimento tradicional com a tecnologia moderna. O objetivo é criar um ambiente urbano resistente às mudanças climáticas, reduzindo o risco de inundações e aumentando a biodiversidade. Ou seja, as cidades-esponja, além de desenvolverem a gestão de água, contribuem de uma maneira geral para a saúde ecológica dos centros urbanos. 

Como foi em Harbin, no norte da China. Esta é uma das vistas do parque construído para mitigar os danos à natureza e criar um espaço que servisse a comunidade:

Créditos: Divulgação-Turenscape

Nas cidades brasileiras… Funcionaria?

Também conversamos com o arquiteto sobre as condições das cidades brasileiras, se seria possível implementar as cidades-esponja aqui e quais seriam as adaptações.

Ele nos explicou que há princípios centrais nas cidades-esponja universalmente aplicáveis, são eles:

  • Aumento da absorção de água

  • Infraestrutura verde

  • Design ecológico integrado

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Mas, ainda assim, adaptações às necessidades específicas de cada lugar são necessárias. Kongjian Yu explica:

“As cidades brasileiras geralmente enfrentam problemas como assentamentos informais, infraestrutura inadequada e condições climáticas variáveis. Esses fatores exigem uma abordagem personalizada que incorpore o envolvimento da comunidade, o apoio de políticas públicas e especialização técnica. 

Por exemplo, em áreas propensas a inundações, pode ser necessário priorizar a restauração de planícies de inundação naturais e a criação de bacias de retenção. Em regiões com escassez de água, estratégias como a coleta de água da chuva e o uso de vegetação resistente à seca podem ser enfatizadas.”(Traduzido do inglês)

Ele conclui a resposta ressaltando a necessidade de uma atuação integrada para a implementação das cidades-esponja, além de buscar conhecimento com as comunidades locais. Com esses recursos em uso, ele afirma ser possível estabelecer cidades-esponja adaptadas às metrópoles brasileiras. 

Até mesmo em locais secos como o Cerrado e a Caatinga?

Outra dúvida que surgiu, é se seria possível adaptar as cidades-esponja às vegetações locais do Brasil ou se seria preciso utilizar árvores e plantas de outros biomas. Kongjian Yu explica que a escolha da vegetação é crucial para o processo.

Ao mesmo tempo que as plantas precisam prosperar nas condições climáticas e de solo da região, é possível adaptar vegetações de outros biomas, desde que elas possam cumprir as funções ecológicas necessárias. 

Ipê rosa, árvore típica do Cerrado. Créditos: Shutterstock-Angela Macario

Especificamente sobre o Cerrado e a Caatinga, ele disse:

“No contexto das cidades brasileiras, a vegetação de regiões secas, como o cerrado e a caatinga, pode de fato ser integrada aos projetos de cidades-esponja. Essas plantas são bem adaptadas para resistir a períodos de seca e podem desempenhar um papel significativo na retenção de água e na estabilização do solo. Entretanto, é importante garantir que as espécies selecionadas sejam compatíveis com o ecossistema local e não se tornem invasivas.”(Traduzido do inglês)

O arquiteto ainda explica que ao incorporar plantas nativas é criada uma paisagem urbana resiliente que apoiará a biodiversidade, melhorará o valor estético e irá performar bem suas funções ecológicas. Kongjian Yu diz que a chave é adotar uma abordagem holística (completa) que considere as características únicas do bioma local e aproveite as qualidades de várias espécies de plantas. 

Desempenho das cidades-esponja contra inundações

Os projetos das cidades-esponja tem sido amplamente aplicado nas cidades chinesas. Inicialmente, foram realizados 30 projetos pilotos que integravam um programa nacional de melhora da resiliência urbana e da gestão da água. 

Kongjian Yu cita como exemplos de sucesso cidades como Sanya, Haikou, Wuhan, Shenzhen e Pequim. Atualmente, já são 70 cidades seguindo os modelos oficialmente financiados pelo governo central chinês, no esforço de construir cidades-esponja. A Turenscape também afirmou que há uma determinação estatal para que todas as cidades chinesas tenham projetos de cidades-esponja. 

Outro bom exemplo é o parque cultural de Huaiyang, na China, veja:

Créditos: Divulgação-Turenscape

Cidades-esponja também foram feitas em outros países, como Singapura, Tailândia, Alemanha, Rússia e Estados Unidos. Veja o projeto de restauração realizado no Lago Kaban, na Rússia:

Créditos: Divulgação-Turenscape

Sobre o desempenho geral das soluções implementadas até o momento, Kongjian Yu declarou:

“Os resultados dessas implementações têm sido promissores. Embora não seja realista afirmar que as inundações foram totalmente eliminadas, a intensidade e a frequência dos eventos de inundação foram significativamente reduzidas. Além disso, a integração da infraestrutura verde aumentou a biodiversidade urbana, melhorou a qualidade do ar e proporcionou espaços de recreação para os moradores.”

Mensagem para famílias brasileiras que lidam com inundações

Por fim, pedimos a Kongjian Yu um recado às famílias brasileiras que precisam enfrentar as inundações anualmente. O arquiteto diz que gostaria de oferecer uma mensagem de esperança e resiliência. 

Mesmo com os desafios formidáveis, existem soluções inovadoras que podem transformar as cidades em ambientes sustentáveis capazes de sobreviver aos desastres naturais. Ele afirma que a natureza nos fornece a resposta de como lidar com a água sabiamente.

Kogjian Yu declara que, juntos, podemos construir paisagens que não só mitigam os danos dos desastres como melhora a qualidade de vida. Ele recomenda que a comunidade apoie políticas que priorizem a sustentabilidade e conclui com a seguinte fala:

“Juntos, podemos construir um futuro em que as cidades coexistam harmoniosamente com a natureza, proporcionando espaços seguros, vibrantes e resilientes para todos.

Concluindo, o caminho para cidades resilientes é uma jornada que exige inovação, colaboração e um profundo respeito pelo ambiente natural. Com base na sabedoria ancestral e na tecnologia moderna, podemos criar paisagens urbanas equipadas para enfrentar os desafios das mudanças climáticas, garantindo um futuro mais seguro e sustentável para as próximas gerações.” (Traduzido do inglês)

 

Por Tiago Vechi

Jornalista