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Para provar o quanto a língua é dinâmica, o quanto ela muda de acordo com as “tendências” que norteiam as relações humanas, não precisamos ir muito além. Exemplo prático disso é a linguagem dos internautas, em que, por meio de abreviaturas inusitadas e de criações vocabulares que lhes são próprias, típicas daquele universo, conseguem manter contato sem problemas. Eis o primeiro indício de que as criações lexicais existem e que tornam a língua muito mais rica do que podemos imaginar.
Buscamos nos chamados neologismos semânticos outro caso que bem ilustra a situação da qual nos propomos a discutir (criações lexicais). Basta recorrermos aos textos “Neologismo semântico”; bem como ao “O vocábulo ‘jeito’ e suas acepções polissêmicas” para comprovarmos que se trata de uma verdade inquestionável. Observemos, pois, alguns exemplos que ilustram o fato:
* Aquele morador foi multado em virtude do “gato” que fizera, um pouco antes da chegada dos fiscais da companhia elétrica.
A palavra gato, aqui, adquire um sentido pejorativo, diferente do convencional, haja vista que caracteriza um ato infracionário no que diz respeito ao fornecimento de energia.
* Não se preocupe, daremos um “jeitinho” de conseguir o que quer.
Neste contexto, o vocábulo “jeito” assume um sentido relativo a “conseguir algo”, não importando de que forma seja.
As criações lexicais também estão presentes nas obras literárias, como é o caso de Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas. Grande mestre no regionalismo, o autor também deixou riquíssimas marcas ao inovar o cenário cultural por meio das invenções linguísticas que fizera. Ele incorporou prefixos nas palavras já existentes, como podemos atestar em “circuntristeza”, resultando na fusão de “tristeza + circundante”, bem como em “arreleque”, caracterizado pela junção de “asas abertas + leque”. Noutros casos ele verdadeiramente inventou palavras, como é o caso de “embriagatinhar”, cujo sentido pode perfeitamente se aplicar àquela pessoa que engatinha, de tão bêbada que aparenta estar.
Outro representante de nossas letras é Manuel Bandeira, cujo poema tem como título “Neologismo”:
Beijo pouco, falo menos ainda.
Mas invento palavras
que traduzem a ternura mais funda
E mais cotidiana.
inventei, por exemplo, o verbo teadorar.
Intransitivo
Teadoro, Teodora.
Manuel Bandeira
Constatamos que o poeta criou, como ele mesmo atesta, o verbo “teadorar”, resultando na junção do pronome oblíquo + o verbo adorar, o qual poderia ser assim conjugado:
Eu teadoro
Tu teadoras
Ele teadora... e assim por diante.
Mediante tais elucidações, o fato é que as criações lexicais, mesmo não estando ainda formalizadas, ou seja, retratadas pelo dicionário, exemplificam o quanto a dinamicidade de nossa língua se faz cada vez mais presente. Assim, eis a questão: será tal ocorrência uma riqueza para esse sistema tão rico (no caso, a língua), ou será algo prejudicial? Obviamente que devemos encará-la como algo que só tem a acrescentar, nada mais.
Por Vânia Duarte
Graduada em Letras