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Um espectro ronda os shoppings centers – o espectro do rolezinho. Com a paródia da frase inicial do Manifesto Comunista de Karl Marx e Friedrich Engels, de 1848, inúmeras imagens correram as redes sociais pretendendo satirizar as reações a um fenômeno social da juventude que vem ocorrendo em São Paulo e que se propagou para várias cidades do país: os chamados rolezinhos.
A gíria não é nova. “Dar um rolê” ou “dar um rolezinho” são expressões já comuns em vários espaços urbanos e expressam a prática de passear pela cidade, divertir-se. A diferença dos atuais rolezinhos é que eles estão sendo programados a partir de redes sociais, reunindo centenas (ou milhares) de jovens e dirigindo-se aos shoppings centers. Os rolezinhos começaram a ser chamados por MCs após surgir um projeto de lei na Câmara dos Vereadores de São Paulo que pretendia proibir a realização de bailes funk na cidade. O projeto foi vetado pelo prefeito Fernando Haddad, mas os rolezinhos não pararam por aí.
A maioria desses jovens vive nas periferias das cidades. Ao chegarem aos centros comerciais, eles passeiam pelos corredores e praças de alimentação, paqueram, tiram fotos, cantam e executam alguns “passinhos” utilizados nos bailes funk.
A maioria veste-se com roupas de grifes famosas, seguindo um padrão comportamental difundido ultimamente nos centros urbanos paulistas ligado ao chamado “funk ostentação”. Essa derivação do gênero musical expressa em suas letras e nas vestimentas de MCs, dançarinos e demais participantes a intenção do consumo crescente: falando de dinheiro, carros, aquisição de diversos tipos de mercadorias de uso pessoal, fazendo apologia a marcas famosas e enfatizando a sexualidade de mulheres e homens.
Quatro nomes do funk ostentação: Mc Gui, Guimé, Nego Blue e Mc Galo. **
Dessa forma, o funk ostentação insere-se totalmente nos mecanismos da sociedade capitalista: um número crescente de trabalhadores (ou trabalhadores em formação) aumentando seu consumo, estimulando a produção de mercadorias, garantindo assim o chamado “crescimento” (lucro) das empresas e da economia como um todo.
Entretanto, o fenômeno não vem sendo tratado apenas através dos mecanismos econômicos do capitalismo. Do mesmo modo que ocorreu com as manifestações de junho de 2013, a repressão policial aos rolezinhos – e agora também das administrações dos shoppings centers, com sua polícia privada – fez com que o fenômeno tomasse um âmbito bem maior que o inicial, passando a ser um assunto nacional. A preocupação dos administradores está ligada ao fato de os “rolezinhos” possuírem uma grande “potencialidade” de se transformarem em “arrastões”, resultando em furtos aos lojistas dos centros comerciais.
Além disso, os administradores desses estabelecimentos argumentam que os rolezinhos colocam em risco a segurança de trabalhadores, lojistas e clientes que frequentam esses locais. Com esses argumentos, alguns shoppings centers conseguiram liminares judiciais para impedir a realização dos rolezinhos, sendo possível a aplicação de multa aos que infringirem a decisão judicial.
Por outro lado, os rolezinhos levantaram um debate intrínseco à estrutura social brasileira, que é a discriminação social e racial. Os jovens pobres das periferias — negros, em sua maior parte — estão sendo impedidos de entrarem coletivamente nos templos de consumo em que se transformaram os shoppings centers. A crítica é que as administrações dos shoppings, com o apoio policial, estão segregando e discriminando social e racialmente esse setor da sociedade brasileira, reproduzindo, dessa forma, o racismo que sempre esteve presente na história do Brasil.
Repressão policial a participantes de rolezinho
O fenômeno dos rolezinhos é tamanho que tanto a presidenta Dilma Rousseff quanto a ministra da Igualdade Racial, Luiza Bairros, bem como o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, expressaram publicamente suas opiniões sobre o tema. Eles criticaram abertamente à repressão aos rolezinhos e buscaram formas de dialogar com os envolvidos.
A ministra Luiza Bairros chegou a afirmar que o medo dos rolezinhos é uma reação dos brancos que frequentam os shoppings, derivado do racismo que há na sociedade brasileira. O que estaria ocorrendo seria uma espécie de apartheid nos shoppings centers, em alusão ao regime de segregação racial que vigorou na África do Sul durante o século XX.
Há a preocupação de que a repressão aos rolezinhos incendeie novamente o país, como ocorreu em junho de 2013. Se em 2013 as manifestações contra o aumento das tarifas de ônibus mantiveram sua força durante os jogos de futebol da Copa das Confederações, a preocupação agora é que os rolezinhos sejam um prelúdio para manifestações contra a realização da Copa do Mundo. Evitar essas manifestações é uma das principais preocupações do governo federal.
Os rolezinhos, porém, não se iniciaram no final de 2013. Já em agosto de 2012 uma festa a ser realizada em uma praça da Mooca, bairro da cidade de São Paulo, batizada de “Projeto P”, foi convocada pelas redes sociais e terminou em repressão policial. Essas ações demonstram uma ação da juventude para criar espaços de sociabilidade e lazer em um contexto cada vez maior de restrição legislativa à utilização dos espaços urbanos.
Rolezinho realizado no Parque do Ibirapuera.***
Para alguns, os rolezinhos seriam uma forma de os jovens garantirem seu direito à cidade, subvertendo as imposições colocadas por autoridades públicas e empresas privadas, reutilizando esses locais de acordo com seus interesses. Tamanha reação em relação aos rolezinhos pode ser entendida também como uma profanação dos templos de consumo, ilhas de suposta segurança encravadas em uma sociedade extremamente violenta e desigual.
Os participantes dos rolezinhos podem querer apenas consumir e se divertir. Entretanto, os administradores e utilizadores desses espaços não estão vendo com bons olhos a invasão dos templos pela camada da sociedade brasileira que teve um aumento de renda durante a década de 2000 e 2010, entrando maciçamente no mercado de consumo. Os rolezinhos são a expressão das contradições da sociedade brasileira em movimento, mas ainda sem solução à vista.
* Crédito da Imagem: R7
** Crédito da Imagem: R7
*** Crédito da Imagem: R7/Luiz Claudio Barbosa/Futura Press/Estadão Conteúdo
Por Tales Pinto
Mestre em História