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Ao analisarmos de perto o processo de formação da República no Brasil, logo percebemos que o novo regime fora instituído pela força de uma minoria, apartada da maioria absoluta da população brasileira. Membros das forças militares e mais um restrito grupo de intelectuais discutiram, desde os tempos imperiais, as justificativas que fundamentariam a criação de uma República em terras tupiniquins. Entre outros argumentos, o conceito de modernização e o positivismo tinham grande destaque.
Chegando a 1889, a consolidação de uma República formada por um golpe desprovido de qualquer apoio popular abria espaço para a ocupação de uma lacuna. Afinal de contas, mesmo que apresentasse seus problemas, a extinção do Império criava um vazio no imaginário político nacional. Desse modo, os defensores do novo governo saíram em busca da constituição de um passado capaz de estabelecer a utopia republicana como um ideal que se materializou pela força de uma experiência dada ao longo do tempo.
Em um primeiro momento, observamos que os republicanos determinaram a reconstrução de nossa simbologia com o desenho de uma nova bandeira, a criação de novos hinos e outros brasões que fundamentassem a nossa ruptura. A liberdade e o amor à nação, frutos de uma clara influência do republicanismo francês, aliava-se à ideia de que a república guardava em si mesma as características de ordenação indispensáveis ao desenvolvimento nacional. Não por acaso, nossa bandeira sugere: “Ordem e Progresso”.
Paralela a essa simbologia, os republicanos também realizaram uma leitura particular do passado que também auxiliava na formação dessa mesma imagem positiva. Se por um lado a figura idosa de D. Pedro II apresentava o colapso da monarquia, a imagem de seu jovem e destemido pai, D. Pedro I, salientava a força do primeiro passo conquistado com a independência. Com isso, o passado era diversamente reconstruído a fim de sedimentar a experiência republicana com a consumação de antigos anseios.
Sob esse aspecto, Tiradentes pode ser visto como uma das mais importantes figuras que teve sua representação manipulada a fim de fortalecer a nossa República. Tendo atuado como militar, o alferes estabeleceria a sugestão de que as classes militares sempre estiveram em defesa das questões de interesse nacional. Ao mesmo tempo, sendo representado sob a figura de um mártir quase messiânico, Tiradentes é colocado como o formador de um ideal patriota em que a nação se colocava antes da própria vida.
Ao pensar e oferecer o modelo de nação – seja pela construção de símbolos, heróis ou histórias – os dirigentes republicanos mais uma vez mostravam a existência de um processo dado “de cima para baixo”. Por um lado vemos que muitas das interpretações sobre nossas figuras históricas estiveram presas a esse esforço de reconstrução dado na Primeira República. Por outro, a nossa persistente desconfiança com relação aos nossos representantes políticos escancara as falhas dessa situação desenvolvida no tempo.
Por Rainer Sousa
Mestre em História