Conversamos com Lucas Fonseca, CEO da Airvantis, empresa que faz teste na Estação Espacial Internacional, para compreender o que acontece com o ser humano no espaço.
Em 03/09/2024 12h23
, atualizado em 03/09/2024 12h34
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Humanos no espaço já são uma realidade. Fomos à Lua, construímos a Estação Espacial Internacional e lançamos inúmeros satélites em cantos remotos do universo, mas, ainda assim, essa realidade parece ficção científica para os ouvidos mais desacostumados.
Após o anúncio da Nasa sobre dois astronautas que deveriam retornar à Terra em junho deste ano, mas que ficarão no espaço até 2025, muitos desses questionamentos voltaram a aparecer. Quanto tempo nosso corpo aguenta no espaço? Quais cuidados devem ser tomados? Entre outras dúvidas.
Fomos atrás de respostas sobre a Estação Espacial Internacional e sobre os efeitos da estadia no espaço para seres humanos. Para isso, conversamos com Lucas Fonseca, engenheiro de sistemas espaciais, CEO e fundador da Airvantis, empresa que fornece serviço de pesquisa na Estação Espacial Internacional.
O que acontece com o ser humano no espaço?
Lucas nos explica que a sensação de estar em órbita no espaço é a mesma de cair de um elevador sem fosso, a impressão é de queda constante. Segundo o engenheiro, essa sensação de queda livre deixa as células “estressadas”, por isso, começam a ser criadas expressões genéticas que não aconteceriam em situações normais. Essas modificações acabam alterando a forma dessas células viverem, Lucas cita um exemplo:
“Absorver nutrientes, o astronauta quando está no espaço, a absorção de nutrientes, na dieta dele, não é igual a que ele tem na Terra. Então, ele tem que fazer uma dieta especial. Não necessariamente absorvem menos, mas o importante é que não é igual.
Algumas coisas no espaço acontecem melhor do que acontecem na Terra, outras acontecem pior, não tem uma fórmula, depende de cada caso.”
O engenheiro espacial cita mais dois exemplos: primeiro, a virulência dos vírus no espaço, que é mais intensa. Uma gripe teria mais facilidade para se espalhar no corpo humano.
Depois, Lucas comenta de um experimento realizado entre a Airvantis e a Cimed para avaliar absorção de vitaminas. Concluiu-se que o processo foi mais rápido no espaço do que seria na Terra.
Problemas cardiovasculares
O ambiente de microgravidade da Estação Espacial Internacional ocasiona diversos desafios para o nosso corpo. Lucas começa a exemplificação pelos problemas cardiovasculares.
O nosso coração utiliza uma força específica para mandar e puxar sangue para nossas pernas. Por conta da gravidade, ele usa outra quantidade de força para fazer o mesmo com a nossa cabeça. Com a mudança na força gravitacional, esse sistema fica desregulado.
Por isso, os astronautas, quando estão no espaço, precisam fazer muito exercício físico para não faltar sangue nem nas pernas e nem na cabeça. Lucas conta que boa parte dos exploradores que foram para a Lua tiveram problemas coronários.
Danificação celular
Lucas também diz que, além da microgravidade, a radioatividade também atua nas células do corpo humano, aumentando as chances de aparecer um câncer. Além disso, diminui-se a quantidade de glóbulos brancos, responsáveis pelo nosso sistema imunológico.
Uma publicação chamada “Microgravidade como promotora da anemia espacial: uma revisão da literatura”, publicada pela Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, afirma que os glóbulos vermelhos são afetados pela microgravidade, assim como o metabolismo do ferro, o que gera uma condição chamada de anemia espacial.
A alteração da gravidade interfere diretamente no funcionamento da nossa visão, pois a sua estabilidade depende da relação ente a pressão arterial do corpo com a pressão dentro dos olhos.
Com a ida ao espaço, a pressão arterial diminui, mas se mantém estável dentro dos olhos, o que diminui o fluxo de sangue para a retina, ocasionando a perda de visão periférica, por exemplo.
Quanto tempo o humano aguenta no espaço?
O engenheiro responde que ainda não existe uma resposta para essa pergunta. O que tem sido feito é, cada vez mais, aumentar a exposição do ser humano a essa experiência. Lucas conta:
“Teve um russo que já ficou um ano e meio no espaço e teve americano que já ficou um ano. Então assim, a gente está tentando ver qual que é o limite que o ser humano consegue. E aí, não é só uma questão fisiológica, tem uma questão psicológica; ficar lá é como se estivesse preso, é um lugar pequeno e barulhento”
Além desses desafios, Lucas também fala do cheiro na Estação Espacial: o odor de óleo queimado é constante. A primeira semana dos astronautas é uma das mais complicadas, dá muita náusea, como se estivesse em um barco.
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Soluções para os desafios espaciais
Nesse contexto, procuramos saber quais as soluções estão sendo elaboradas para mitigar essas doenças e condições. Lucas conta que uma estratégia para combater o câncer, por exemplo, é diminuir a quantidade de radicais livres, reduzir a oxidação da célula.
Uma das maneiras de fazer isso é tomar vitaminas. Ele cita o experimento feito para avaliar absorção de vitaminas pelo ser humano no espaço a fim de reduzir as chances do desenvolvimento de células cancerígenas.
Outra estratégia são os exercícios físicos, que fortalecem a musculatura e incentivam a calcificação, pois, no espaço, é como se estivéssemos deitados o tempo todo, o que atrofia os músculos e enfraquece os ossos.
Oportunidades econômicas
Lucas conta a expectativa da exploração comercial do espaço, que foi parcialmente atendida, mas não atingiu os patamares esperados. Ele diz:
“A Estação Espacial, pelo menos a internacional, nunca se tornou uma fonte de renda para os países. É uma fonte de gastos subsidiados, mas, hoje, você tem várias empresas que estão fazendo testes no espaço, inclusive, a minha faz. Eu mando experimentos de indústria farmacêutica, por exemplo.”
Ele também conta de remédios que já foram produzidos no espaço. Por exemplo, o Prolia, usado para combater a osteoporose, foi desenvolvido com testes em camundongos na órbita da Terra. Outro remédio em uso desenvolvido fora do planeta foi o Keytruda, recomendado para alguns casos de câncer.
Lucas explica a importância de os testes serem feitos no espaço:
“Quando você tenta analisar o câncer na Terra, você normalmente o coloca em uma Placa de Petri. Você põe as células cancerígenas e elas começam a fazer metástase, elas começam a crescer, só que quando elas crescem na Terra, elas crescem achatadas por conta da gravidade. Então, quando você olha ela em uma bancada, você vê ela crescendo no formato de um papel.
Quando você manda para o espaço, como não tem o achatamento, ela cresce em todas as direções, ela cresce como se fosse realmente uma esfera em metástase e é muito mais parecido com o que acontece no corpo humano, porque, dentro do corpo, a célula cancerígena está no sangue e flutua, por isso não cresce achatada, então eu uso o espaço para ter um entendimento melhor de como ocorre a metástase.”
Por último, ele cita um remédio amplamente utilizado para combater a H1N1, o Tamiflu. O laboratório de microgravidade foi importante para o desenvolvimento dessa medicação por conta das pontes proteicas que conectam os vírus ao nosso corpo.
Lucas explica que, para analisar as proteínas, é preciso cristalizá-las, pois, caso contrário, elas ficam instáveis. Então, elas são postas em um raio-x e a geometria da proteína é analisada na busca de compreender como elas funcionam.
Quando esse processo de cristalização é feito no espaço, o resultado final é mais puro, por conta da microgravidade. Ele diz que mais de 20 mil proteínas já foram enviadas para análise no espaço.
Por que a Estação Espacial não cai na Terra?
Na verdade, a Estação Espacial está caindo constantemente, mas cai tão rápido que acompanha a curvatura da Terra. Lucas explica melhor:
“Imagina que você tem um tiro de um canhão que você dá aí da tua casa, por exemplo, se você atirar com uma certa potência, a bala vai fazer uma trajetória e vai cair um pouco mais pra frente, se atirar mais forte, cai mais pra frente. As coisas que estão em órbita são mais ou menos isso. Você tem um tiro tão forte que ela consegue acompanhar a curvatura da terra.”
Conselhos para quem quer ser um empresário no espaço
Pedimos que Lucas desse um conselho para jovens que querem explorar essa nova realidade dos humanos no espaço. Ele disse que, hoje em dia, já existem cursos de engenharia espacial no Brasil e que este é um bom começo para quem quer compreender melhor a dinâmica desse ambiente.
Entretanto, ele afirma não ser necessário ser engenheiro ou físico para atuar nessa área. Ele exemplifica com médicos, farmacêuticos, nutrólogos, fisioterapeutas, entre outras profissões, essenciais para as pesquisas espaciais.
Por fim, Lucas fala sobre a área de advocacia espacial, que, inclusive, é muio desenvolvida no Brasil, com participações em congressos mundiais e uma representatividade considerável. O engenheiro conclui dizendo que é difícil pensar em uma profissão que não tenha oportunidades no espaço daqui 40 ou 50 anos.