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Em 1968 fui com minha família para Petrópolis, uma cidade imperial perto do Rio de Janeiro. Na bagagem levei o meu 1o skate, que era feito com um patins de rodas de borracha aberto ao meio e aparafusado numa tábua reta. Me lembro muito bem quando meu pai me levou num ringue de patinação onde brinquei um tempão com meu skate. E também me recordo dos olhares das pessoas que viam aquilo como uma coisa estranha. Um garoto andando sobre uma tábua com rodinhas. Algo totalmente inusitado e fora de propósito para muitos. Desde então reparei que o Skate era diferente. E esse foi um dos motivos para eu me amarrar no bicho. “Um lance diferente, só meu”, pensei.
Com o passar do tempo vi que o Skate estava formando um mundo novo graças aos seus adeptos que não cansavam romper novas barreiras na busca de novos terrenos e por que não dizer, novas formas de expressão.
Veio o uretano, os skateparks, as manobras e o Skate sofreu uma expansão atingindo um universo muito maior, que aos poucos foi solidificando-se, tornando-se um “mercado”.
O “sistema” começou a absorver o brinquedo inocente e logo o lado do Skate como esporte começou a ser explorado.
O Skate sempre foi algo inovador e principalmente, anárquico, no sentido de não existirem regras para se praticar. Você simplesmente anda. Não tem de interagir com terceiros, seguir regulamentos ou mesmo procurar um terreno específico para a prática. Se anda de Skate em qualquer lugar!!! Calçada, rua, quadra, pista, rampa, piscina, tubo, garagem, corrimão, guia, cozinha, sala, quarto...
Sempre me senti orgulhoso de fazer parte de uma galera criativa que valorisava a expressão individual e a diversão entre amigos. Acho o máximo a reutilização que fazemos de objetos e estruturas para torna-los fonte de prazer. Para muitos um muro é só um muro. Mas para um skatista pode ser uma fonte de prazer, "aquele" pico da hora!
O Skate nasceu de um ato altamente radical: separar um patins - um dos ícones do American Way of Life dos anos 50 - e transforma-lo em algo antes jamais pensado. Surfar no asfalto. O Surf nessa época já fazia parte da contra-cultura. Drop in, turn in and drop out diziam os Gurus da época Timothy Leary e William Borrougs que promoveram uma grande mudança na sociedade americana através das drogas e de pensamentos que incentivavam o modo de vida alternativo.
Assim o lance era drop in, ou seja tomar ácido, turn in, sintonizar-se, e drop out - desligar-se do sistema.
Com o mesmo objetivo, numa atitude muito mais saudável, o Skate tomou o lugar do ácido, e foi usado como instrumento por muitos para diminuírem o alcance do sistema em suas vidas e serem felizes com isso.
Quando John Lucero e Neil Blender, frequentadores assíduos do Skatepark Skate City, foram barrados por que estavam sem dinheiro para pagar as entradas naquele dia e assim impedidos realizar a sua arte, ficaram zoandando de Skate em frente a pista, dando slappies, rock and roll slides e outras manobrinhas.
Neste momento estava configurando-se uma reviravolta que viria a acontecer com o Skate. Surgia o Street Skates. As pistas começariam a fechar.
“Por que pagar se posso andar de graça nas ruas?” Era a pergunta que todos começaram a se fazer. O underground falou mais alto e mais uma vez deu seu drop out no sistema, no caso as “corporações” que os Skateparks e o Skate em si haviam se tornado. Algo difícil, complicado e com muitas regras a cumprir, principalmente nas pistas.
Ao meu ver, na vida tudo passa por ciclos. O Skate também. Há cada 10 anos há uma transformação que faz com que o Skate exploda e logo em seguida caia no esquecimento da grande massa.
Mas, nem por isto deixa de existir.
Pelo contrário, só ganha força e cresce!
Já presenciei 3 desses ciclos e estamos na iminência de uma nova virada.
O Skate espontaneo versus o Skate corporativo.
“Skateboarding is not a crime” era a frase do adesivo lançado pela Santa Cruz na época em que o boom do Street Skate estava acontecendo, espalhando-se pelo mundo com uma força jamais vista.
Veio a TV e os mega campeonatos feitos especialmente para as grandes redes americanas. O Skate passa a entrar na casa de milhões de pessoas que nunca sonharam que era fisicamente possivel de se fazer certas coisas apresentadas pelos skatistas, quanto mais vir a entender o que representava para cada um andar de Skate.
O Skate passa ser um cara voando de um lado pro outro em duas paredes num Half Pipe ou subindo e descendo e pulando rampas no Street.
O totalitarismo cultural provocado pela globalização foi aos poucos transformando o Skate.
A firma de Skate americana Consolidated manda muito bem em mais um de seus adesivos polêmicos com a frase “Skate não é um esporte” .
Sim! Skate não é um esporte. É muito mais que um esporte! Um estilo de vida, para muitos daqueles que querem dar um basta no excesso de regulamentações, códigos de conduta outras e imposições feitas pela sociedade e ter mais controle maior sobre suas próprias ações.
Já me questionei muito na hora de colocar os créditos nos programas de Skate que faço. Usar Nilton Neves ou Nilton Urina? Carlos Piolho ou Carlos de Andrade? Sergio Negão ou Sergio Fortunato? No fim das contas resolvi passar a creditar os skatistas como são conhecidos no nosso mundo, o mundo do skate. Negao, Piolho e Urina são como são conecidos este skatistas. E pronto.
Se você continuou a ler até aqui é que deve estar interessado em ver onde isto vai dar, ou pelo menos se perguntou “o que este maluco tá querendo dizer com tudo isto?”
Simples.
Pra mim, skatista é skatista. Não é atleta.
É muuuuuuuiiito mais que isso!
Atleta é pouco para se definir um skatista.
Um Skatista é um artista, um designer e seu produto são as manobras que executa e cria. Cada uma com sua identidade própria e pessoal como uma caligrafia, única, inimitável.
Seu suporte são os inúmeros picos que explora com seu Skate na busca de satisfação e realização pessoal.
Como disse no Congresso Brasileiro de Skate,“o skatista não cabe numa caixa de atleta”...
Certamente.
Por que muita coisa vai ficar de fora...
Com o meu trabalho tive oportunidade de conhecer vários países e culturas diferentes. E uma coisa para mim é certa. Em todos os lugares skatista é skatista.
Só no Brasil, de uns tempos pra cá, ele está sendo rotulado como atleta!!!
Fico triste depois de todos estes anos de batalha deste movimento (contra)cultural que é o Skate, que possui identidade e características próprias e únicas, chegar ao século 21 e ver, que segundo muitos, os Skatistas agora foram reduzidos a simples atletas?!?!
Em vez de atleta, adoraria de ver melhores definições em revistas e campeonatos sobre quem vive para andar em cima de uma tábua com 2 eixos e 4 rodas .
Sugiro algo mais Skate e menos sistema
como: “o próximo skatista a se apresentar é...”
Texto escrito para:
Revista Tribo Skate 74, novembro de 2001
Cesinha Chaves