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Os chamados black blocs tornaram-se um assunto corriqueiro na imprensa, redes sociais e rodas de conversa no Brasil após a eclosão de manifestações contra o aumento de tarifas do transporte coletivo em várias cidades do Brasil. A morte de Santiago Andrade, cinegrafista da rede de TV Bandeirantes, em 10 de fevereiro de 2014, tornou ainda mais intenso o debate, já que os indícios apontam que seu falecimento foi decorrente de um rojão lançado em uma manifestação em 06 de fevereiro. A imprensa tem chamado os suspeitos de participantes do black bloc, apesar de eles estarem vestidos com roupas cinzas, e não pretas.
O objetivo do texto não é debater esse fato que ocorreu no Rio de Janeiro, mas sim expor de forma resumida a história do black bloc e o desenvolvimento dessa tática de guerrilha urbana utilizada em manifestações de rua.
As origens do black bloc (bloco negro, em inglês) remontam à República Federal Alemã (Alemanha Ocidental) no início da década de 1980. Foi a imprensa alemã ocidental que cunhou o termo Schwarzer Block para fazer referência a grupos de pessoas que se organizavam para enfrentar a repressão policial. Tal repressão foi desencadeada em decorrência da luta de grupos autonomistas alemães (marxistas não ligados às burocracias partidárias e sindicais) contra a construção de usinas nucleares, para a defesa de suas ocupações (squats) de casas e edifícios abandonados em grandes cidades e também para se defenderem de ataques de grupos neonazistas.
Em uma manifestação no 1º de Maio de 1980, em Frankfurt, manifestantes participaram vestidos de negro, tapando seus rostos com máscaras e capacetes para se defenderem da polícia e evitar o reconhecimento facial e a consequente identificação e repressão policial.
Os black blocs constituíram-se como uma tática, uma manobra dentro da manifestação com o objetivo principalmente de garantir a autodefesa dos participantes frente à repressão policial que quase sempre é realizada e, em todas as vezes, de forma violenta. O black bloc, dessa forma, não é um movimento político, um grupo anarquista ou uma ONG libertária. Segundo Jairo Costa, o black bloc é uma tática de guerrilha urbana, que se constitui nas chamadas ações diretas: “destruição de bancos, joalherias, lanchonetes norte-americanas, depredação de instituições oficiais e empresas multinacionais, shoppings, câmeras de segurança, etc.” [1]
Em 1986, foi fundada uma liga autonomista Black Bloc 1500 para defender a Hafenstrasse Squat, na cidade de Hamburgo, na Alemanha. Em 1987, a presença do presidente estadunidense Ronald Reagan em Berlim Ocidental levou anarquistas a protestarem de preto na cidade. Um ano depois, na mesma cidade, houve uma reunião do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial que contou com manifestações em que um black bloc estava presente, resultando em confrontos com a polícia.
Na década de 1990, houve manifestações nos EUA que também contaram com a presença de black blocs. Entre elas, podem ser citadas as que aconteceram em 1991, na cidade de Washington, contra a Guerra do Golfo; e, em 1992, na cidade de São Francisco, por ocasião dos 500 anos da chegada de Colombo à América.
Mas foi no final da década que os black blocs ganharam maior notoriedade, e também que os chamados símbolos do capitalismo foram adotados como um dos principais alvos. Com a queda do Muro de Berlim, em 1989, e o fim da URSS, a década de 1990 representou a vitória do capitalismo ocidental na Guerra Fria e o auge de exposição das marcas e logotipos das grandes empresas representantes dessa vitória. Era o período de ascensão do neoliberalismo.
Porém, o final da década foi marcado por grandes protestos contra as grandes instituições internacionais gestoras do capitalismo, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), o Fundo Monetário Internacional (FMI), o G-8 (grupo dos oito países mais ricos do mundo), Banco Mundial etc.
Em 1999, na cidade de Seattle, nos EUA, grandes manifestações foram chamadas para a reunião da OMC que ocorria por lá. Milhares de pessoas foram às ruas e houve intenso confronto com as forças policiais. Entretanto, o black bloc conseguiu romper o cerco policial e adentrar o centro comercial da cidade, destruindo inúmeras edificações e demais propriedades. O prejuízo foi estimado em 10 milhões de dólares. Paredes foram pichadas com os dizeres “Zona Autônoma Temporária”.
Essa manifestação foi o marco inicial do que se convencionou chamar de movimento antiglobalização. Depois dela várias outras manifestações ocorreram em reuniões dos organismos internacionais: em 2000, em reunião do Banco Mundial e do FMI, na cidade de Washington, nos EUA, e em convenções do Partido Republicano; no mesmo ano, na cidade de Praga, República Tcheca, cerca de 3000 black blockers lutaram contra a polícia durante uma reunião do FMI; em 2001, em Gotemburgo, na Suécia, eles também estiveram presentes em reunião da cúpula da União Europeia.
Manifestantes do black bloc lançando coquetéis-molotovs na Câmara Municipal do Rio de Janeiro.**
O caso mais notório ocorreu em julho de 2001, na cidade italiana de Gênova. Havia na cidade dois eventos: a reunião do G-8 e o Fórum Social de Gênova. Cerca de 200 mil manifestantes presentes no Fórum participaram de manifestações contra o G-8. Durante os confrontos com a polícia, um black blocker, Carlo Giuliani, ao tentar atingir um veículo da polícia italiana, os carabinieri, foi alvejado por dois tiros. Um atingiu sua cabeça. Os policiais ainda passaram por cima do corpo com as rodas do veículo. A cena foi filmada por participantes e emissora de TVs do mundo todo, dando repercussão internacional ao fato.
Após o ocorrido, outras manifestações ainda foram verificadas em Heilidendamm, na Alemanha, em 2007; em Estrasburgo, na França, em 2009; e em Toronto, no Canadá, em 2010.
No Brasil, as primeiras ações próximas à tática black bloc ocorreram em 2000 e 2001, durante os Dias de Ação Global, organizadas pela Ação Global dos Povos, consistindo em manifestações em vários locais do mundo durante a reunião das instituições internacionais de gestão do capitalismo. Depois desse momento, os black blocs voltaram a ocupar as ruas do país após as manifestações de 2013, gerando um intenso debate nacional.
Nota
* Crédito da imagem: 1000 Words e Shutterstock.com
** Crédito da Imagem: Antonio Scorza e Shutterstock.com
[1] COSTA, Jairo. A tática do black bloc. Revista Mortal, nº 000, Outubro de 2010. p. 10. Disponível em: http://issuu.com/revistamortal/docs/revista_mortal_a?viewMode=magazine.
Por Me. Tales Pinto