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Um gênio assustador! Precoce, Pascal demonstrou suas habilidades quando, aos 18 anos de idade, inventou a calculadora. Como matemático e físico, ele se converteu ao Jansenismo e se retirou para Port-Royal. Denunciou em “Les Provinciales” a moral liberal dos Jesuítas.
Mas foi em “Os Pensamentos” que fez sua defesa da religião cristã, destinada a tocar os libertinos (pessoas que negam toda religião revelada, a qual se deve demonstrar) e os céticos (que colocam tudo em dúvida). Segundo Pascal, o homem é um ser miserável, um “nada do ponto de vista do infinito universo, um tudo do ponto de vista do nada, isto é, um meio-termo entre o nada e o tudo”. Ele é incapaz de atingir a verdade, pois a razão humana é constantemente enganada pela imaginação ou outras “potências enganadoras”. Sua única esperança é Deus: ele tem tudo a ganhar apostando na existência Dele. É o famoso argumento da aposta.
Tocado pela cura miraculosa de sua sobrinha, em 24 de março de 1656, Pascal engajou-se em uma reflexão sobre a significação dos milagres, iniciando pela luta dos jansenistas contra os jesuítas e, em seguida, no debate entre cristãos e ateus. Pouco a pouco, formou-se o projeto de uma apologia da religião cristã que, em seu primeiro momento, visava apresentar os milagres como fundamento da religião. O filósofo renuncia, pois, esta argumentação no ano seguinte para trabalhar em um projeto que funda a religião sobre a Sagrada Escritura e sua interpretação simbólica. As grandes linhas desse projeto são apresentadas em uma conferência em Port-Royal em 1658. Nessa data, numerosos fragmentos foram já redigidos. Gravemente doente a partir de 1659, Pascal retomou seu trabalho apenas no outono de 1660.
Basta abrir os olhos para constatar que o comportamento dos homens é quase sempre incoerente. Nosso julgamento é inconstante, o exercício de nossa razão é perturbado pela imaginação, nós vivemos no passado e no futuro, jamais no presente e nossas mais belas ações têm por causa motivos irrisórios. O mais espantoso dessa constatação é que ela seja realizada por tão poucas pessoas. Há incoerência em nossos desejos e em nossa forma de julgar o que é o bom ou o mau para nós. Não podemos gozar de um bem até que sua perda nos torne infelizes. Nós buscamos a satisfação por meios falsos, por exemplo, querendo ser obedecidos porque nós somos belos (vaidade)! Nós somos tão incapazes de determinar o justo e o injusto que nossa sabedoria aceita a lei e os costumes de um país, em tudo o que ela tem de arbitrário.
A ideia geral do Jansenismo é a de que o homem não pode salvar a si próprio. Após o pecado original, ele pode somente esperar a graça de Deus, concedida a um pequeno número de eleitos, dom absolutamente gratuito como prova da soberana liberdade divina. Ela se opõe, assim, às ideias desenvolvidas pela Companhia de Jesus, inspiradas no teólogo espanhol Molina, segundo as quais o homem poderia realizar sua salvação no mundo, pois a assistência de Deus é concedida a cada um no momento da tentação. Essa concepção teológica permitiria, na vida moral, numerosos acomodamentos com os preceitos religiosos. Ela conciliaria, em todo caso, vida profana e vida religiosa. Ao contrário, os jansenistas são partidários do rigor, da austeridade, da retirada das armadilhas ilusórias e dos falsos pretextos do século.
Dessa forma, conforme Pascal, os filósofos que se contentam em denunciar a miséria do homem – os céticos ou pirrônicos – estão enganados; o homem possui também uma grandeza, e seria somente por isso que ele reconheceria a sua miséria e que há uma ideia de verdade. Se nossa razão é impotente para compreender os dois extremos (tudo ou nada) ela pode conhecer o meio, algumas verdades no domínio científico; nisto ela é ajudada pelo coração, que nos dá as intuições fundamentais sobre as quais ela constrói, em seguida, suas demonstrações. Não se trata de certezas inabaláveis. Também só ela não pode nos dar a fé em Deus. Somente aqueles a quem Deus deu a religião por sentimento do coração que são bem-aventurados e legitimamente persuadidos, mas aqueles que não o têm, nós não podemos dá-lo, senão pela razão. O que significa dar a fé pela razão? Conduzir o homem a tomar consciência de sua contradição e da impotência das filosofias, já que nelas se afirma e se nega de tudo, e admitir que somente a religião pode fornecer respostas satisfatórias para nossos anseios. Mas o princípio sobre o qual repousa estas respostas – o pecado original – é incompreensível pela razão. É preciso aceitar como um mistério inacessível. “O coração tem razões que a própria razão desconhece”.
Por João Francisco P. Cabral
Colaborador Brasil Escola
Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU
Mestrando em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP