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A teoria psicanalítica de Freud foi desenvolvida para explicar os processos psíquicos que caracterizavam os padrões de comportamento do indivíduo inserido em uma sociedade em que prevaleciam os valores burgueses consolidados e que, embora surgisse em época e local determinados, pretendia-se universal.
Tal teoria esboçava os vínculos libidinais que proporcionavam a existência da civilização num período sub-histórico. Cada indivíduo possui um princípio que tende a ser satisfeito, que é o princípio de prazer ou pulsão de Eros. Há também outro princípio que busca retornar ao estado de vida inorgânica ou de repouso absoluto. É o chamado princípio de morte ou pulsão de Thânatos. Ambas são pulsões do inconsciente ou ID e caracterizam-se por serem associais, amorfas, etc.
A psicanálise tenta explicar como se dá a formação da personalidade do individuo ou EGO e qual a relação entre este e o seu interior (ID) e também com o exterior ou SUPEREGO. Este último caracteriza-se por apresentar-se sob o princípio de realidade que se impõe ao indivíduo de forma repressiva (necessária e mínima para que exista a vida orgânica). No desenvolvimento da teoria, este princípio de realidade é apresentado como o “pai” que subjuga os filhos, impõe-lhes a abstinência sexual (devido ao desejo incestuoso para com a mãe) e determina os padrões a serem seguidos. Porém, o princípio de prazer ou a energia erótica destes “filhos” não admitem, num primeiro momento, a autoridade e a imposição paterna, e então, ocorre o parricídio (ação que já busca a liberdade – fruição das pulsões). Mas sem orientação, porque lhes falta autonomia suficiente (a necessidade do “pai”), os filhos assassinos reestabelecem a moral paterna.
A obsolescência desta teoria se deve por causa das modernas formas de vida nas sociedades industriais avançadas: o pai (ou a família dominada por ele) já não é mais o núcleo transmissor do princípio de realidade que antes submetia, sob coação física, o sujeito, tornando-o obediente a tal agente. Nestas sociedades, os filhos saem mais cedo de casa, podem escolher seus postos de trabalho (não herdando os do pai) e há muita “liberdade” sexual. Já não há mais o pai, o que torna a teoria insustentável.
Entretanto, Marcuse, apesar de evidenciar que a teoria tornou-se obsoleta, ultrapassada no sentido individual, explicita sua verdade de forma ainda mais necessária ao nível social. Enquanto que ao nível do indivíduo e voltada para a terapia (adequando o indivíduo à ordem), esta teoria parece inadequada; pode ela servir apenas para auxiliar na compreensão dos processos psíquicos individuais nas sociedades industriais avançadas. Isto porque nestas sociedades, onde já não existe a figura do pai, constitui-se um modelo heterônomo em relação ao indivíduo. Nas sociedades de massas, o sujeito histórico foi substituído pela produtividade. Esta é a verdadeira fonte de dominação que, uma vez posta em movimento, atingiu um estágio no qual se movimenta a si mesma. É ela que determina os valores sociais a serem seguidos porque estabelece uma relação com os indivíduos. Visando satisfazer as necessidades básicas dos seres humanos, com o tempo criou-se necessidades supérfluas que precisam ser consumidas e que tal consumo se apresenta como satisfação compensatória das energias pulsionais eróticas, fazendo-se acreditar que se é livre por poder obter bens (basta ver as propagandas da Honda, Coca-cola, Volksvagem, por exemplo, em que se associa a ideia de liberdade apenas adquirindo tal produto!).
Portanto, não há sujeito dominante. Há sim uma massa amorfa que oscila entre produtos fungíveis que necessita de líderes e estes, de forma secundária (já que dominante é o sistema produtivo) são também fungíveis e supérfluos. Estes líderes ou grupos aos quais pertencem uma certa massa coletiva estabelecem vínculos sentimentais com seus indivíduos e a identificação do EGO com o pai é substituída pela identificação com o EGO coletivo. O problema consiste no desequilíbrio entre as duas pulsões. Se se altera a pulsão de Eros, sobrecarrega-se a de Thânatos, o que gera uma grande quantidade de energia agressiva destrutiva acumulada que é redirecionada para um inimigo arquetipicamente construído. É o risco da irracionalidade que forma as sociedades afluentes onde a manutenção do sistema alienado de produção se dá pela repressão camuflada que ocasiona o estado beligerante de caráter permanente e em que outros agentes sociais são formadores de comportamento.
Por João Francisco P. Cabral
Colaborador Brasil Escola
Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU
Mestrando em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP