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No estado de natureza, afirma Rousseau, o homem tinha uma vida essencialmente animal. A rude existência das florestas fez dele um ser robusto, ágil, com os sentidos aguçados, pouco sujeito às doenças, das quais a maioria nasce da vida civilizada. Sua atividade intelectual nestes tempos era nula: “o homem que medita é um animal depravado”. Assim vivendo, o homem era feliz e suas únicas paixões eram os instintos naturais, facilmente satisfeitos (sede, fome, reprodução sexual, preservação).
É, com efeito, o ponto capital da argumentação de Rousseau: a natureza não destinaria o homem primitivo à vida em sociedade. Durante milhares de séculos talvez, o homem viveu solitário e independente, e este estado era o elemento essencial de sua felicidade ou bem-estar. Portanto, só se distinguiria dos animais por sua maior inteligência, pela consciência de ser livre e não ser submetido a se desenvolver.
Após ter condenado o espírito de civilização moderna, Rousseau ataca a própria organização da sociedade. A propósito de um novo concurso na academia de Dijon em 1753, que tinha por tema “qual é a origem da desigualdade entre os homens e se ela é autorizada pela lei natural”, Rousseau afirma: a liberdade do homem está cada vez mais ameaçada porque a desigualdade social é crescente. E procurar remediar esta situação será o objeto do Contrato Social, no qual o autor não se propõe a estudar o desenvolvimento histórico da escravidão e sim os fundamentos da desigualdade.
Segundo Rousseau, como visto acima, os homens exercem naturalmente seus instintos, não sendo nem bom nem mau, mas um ser amoral. Isto significa que na natureza os homens não se agridem mutuamente sem uma motivação, mas apenas por legítima defesa. Além do mais, a desigualdade surge quando alguém cerca um lote de terra e diz “isto é meu”. Em razão disso, outros homens são levados a fazer a mesma coisa e se reúnem ou associam-se para poder usufruir daquilo que a terra pode lhes oferecer. Mas com isso também se cria um modo de sobrevivência organizada que exclui grande parte dos homens dos benefícios da natureza. Agora, desprovido do seu alimento e de sua liberdade, por causa da instituição da propriedade privada, o homem torna-se subordinado daqueles que a detém. A propriedade faz perder a liberdade natural.
Cabe, então, restaurar o mínimo de liberdade ao homem civilizado. Em sociedade, há vícios que o distanciam de sua natureza e repensar o modelo natural é um modo de aproximá-los novamente. Com isso, pensa-se no Contrato, não para voltar ao estado natural, o que Rousseau acredita ser impossível, mas para tentar diminuir as desigualdades entre os homens após o arbítrio da instituição da propriedade. A natureza fez o homem livre. Mas a sociedade existe, “o homem nasceu livre e por toda parte se vê agrilhoado”. Ao injusto contrato em que o forte subjuga o fraco, é preciso substituir por um novo contrato que assegure a cada cidadão a proteção da comunidade e lhe permita vantagens da liberdade e da igualdade. Enquanto alguns filósofos estudaram as formas históricas de governo, Rousseau meditou sobre o que deve ser uma sociedade justa e, ao colocar seus princípios absolutos (liberdade e igualdade natural), tirou daí suas conclusões de valor universal, que inspiraram a Revolução Francesa.
Por João Francisco P. Cabral
Colaborador Brasil Escola
Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU
Mestrando em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP