Machismo

O machismo é um sistema de crenças que promove a suposta superioridade masculina. Manifesta-se de diversas formas, como machismo estrutural, cultural e institucional.

O machismo é um sistema de crenças que promove a suposta superioridade masculina e tenta justificar a desigualdade de poder entre os gêneros, perpetuando a subordinação das mulheres por meio de normas culturais e sociais enraizadas nas instituições e estruturas sociais.

Esse fenômeno se manifesta de diversas formas, como machismo estrutural, cultural e institucional, e é mantido por práticas sociais que favorecem a hegemonia masculina.

As causas do machismo são complexas, resultantes de fatores históricos, culturais e sociais, e são reforçadas pela repetição de normas de gênero que moldam as crenças da sociedade.

Leia também: O que é sororidade e qual a sua relação com o feminismo?

Resumo sobre machismo

O que é machismo?

Machismo é um conjunto de crenças, atitudes e comportamentos que promovem a ideia de que os homens são supostamente superiores às mulheres e que, consequentemente, tentam justificar a desigualdade de poder entre os gêneros. Esse conceito se fundamenta na construção social e cultural de papéis de gênero rígidos, que limitam tanto as mulheres quanto os homens a padrões predeterminados.

Simone de Beauvoir, em sua obra clássica O segundo sexo (1949), argumenta que o machismo é uma das formas pelas quais as mulheres são reduzidas ao status de “outras”, sendo definidas em relação aos homens e não como sujeitos autônomos. Beauvoir analisa como a opressão das mulheres é naturalizada pela cultura e pelas instituições, perpetuando a desigualdade de gênero.

Outro autor relevante é Pierre Bourdieu, que, em A dominação masculina (1998), explora como o machismo está entranhado nas estruturas sociais e se manifesta em diversos níveis, desde o inconsciente coletivo até as práticas cotidianas. Bourdieu explica que a dominação masculina é mantida por meio de mecanismos simbólicos que normalizam a subordinação das mulheres e a hegemonia masculina.

Tipos de machismo

O machismo se manifesta de diversas formas, refletindo a complexidade das relações de gênero e as particularidades das sociedades nas quais essas relações se desenvolvem. Aqui estão alguns tipos principais de machismo:

→ Machismo estrutural

Refere-se à forma como o machismo está enraizado nas instituições e nas estruturas sociais, criando e perpetuando desigualdades entre homens e mulheres. Iris Marion Young, em seu ensaio “Cinco faces da opressão” (1990), descreve como a opressão sistêmica, incluindo o machismo estrutural, é mantida por práticas sociais que distribuem desigualmente poder, recursos e prestígio.

Young argumenta que o machismo estrutural não é resultado de ações individuais, mas sim de um sistema de normas e práticas que favorecem os homens em detrimento das mulheres.

→ Machismo cultural

Está relacionado a normas, valores e práticas culturais que promovem a suposta superioridade masculina. Raewyn Connell, em Masculinidades (1995), discute como a cultura contribui para a construção da masculinidade hegemônica, que define o que é considerado “normal” ou “ideal” em termos de comportamento masculino. Esse tipo de machismo se manifesta por meio de estereótipos de gênero e papéis tradicionais.

→ Machismo institucional

Diz respeito às políticas e práticas das instituições, como empresas, escolas e governos, que mantêm a desigualdade de gênero. Silvia Federici, em Calibã e a bruxa (2004), examina como as instituições, desde a Igreja até o Estado, desempenharam um papel central na consolidação das normas patriarcais que sustentam o machismo.

Veja também: Quais são os desafios das mulheres no mercado de trabalho?

Quais são as causas do machismo?

As causas do machismo são diversas e complexas, enraizadas em fatores históricos, culturais, sociais e psicológicos. Judith Butler, em Problemas de gênero (1990), propõe que o machismo surge da repetição normativa de atos e discursos que consolidam o binário de gênero e a hierarquia sexual. Butler argumenta que essas normas de gênero são performativas, ou seja, elas são sustentadas pela repetição e pela internalização das expectativas sociais.

Antonio Gramsci, com sua teoria da hegemonia cultural, contribui para a compreensão de como o machismo é perpetuado pelas elites dominantes que controlam os aparelhos ideológicos do Estado, como a mídia e a educação, moldando as crenças e valores da sociedade em benefício da manutenção do status quo patriarcal.

Formas de machismo

O machismo pode se manifestar de diversas formas, desde as mais sutis até as mais explícitas. Aqui estão algumas formas comuns:

Homem segurando ombro de uma mulher em alusão ao assédio, forma de machismo.
O assédio sexual em espaços públicos e privados é uma forma de manifestação do machismo.

Mulheres podem ser machistas?

Mulheres podem reproduzir atitudes e comportamentos machistas, mesmo que estejam em posição de desvantagem em relação ao patriarcado. Isso ocorre porque o machismo é uma construção social que afeta a todos, independentemente do gênero.

Bourdieu, em A dominação masculina, argumenta que as normas patriarcais são tão profundamente internalizadas que tanto homens quanto mulheres podem reproduzi-las, muitas vezes de maneira inconsciente.

Joan Scott, em Gênero e a política da história (1988), discute como a internalização das normas de gênero pode levar as mulheres a perpetuarem práticas machistas, especialmente em contextos nos quais essas normas são vistas como naturais ou inevitáveis.

Como o machismo afeta os homens?

O machismo afeta negativamente os homens ao impor padrões rígidos de masculinidade, que limitam suas expressões emocionais e os pressionam a agir de acordo com expectativas tradicionais.

Michael Kimmel, em O mundo dos homens (2008), explora como os jovens homens são socializados em um ambiente de competição, agressividade e repressão emocional, o que pode levar a problemas de saúde mental, violência e dificuldades em estabelecer relacionamentos saudáveis.

Esses padrões de masculinidade também podem alienar os homens de suas próprias vulnerabilidades e necessidades, criando uma barreira para que eles busquem ajuda ou expressem seus sentimentos de maneira saudável.

A sociedade patriarcal

A sociedade patriarcal é um sistema social no qual os homens detêm a maior parte do poder e dos recursos, enquanto as mulheres são sistematicamente subordinadas. Gerda Lerner, em A criação do patriarcado (1986), analisa como o patriarcado se desenvolveu historicamente, enraizado em práticas de controle social e econômico que beneficiam os homens.

Lerner argumenta que o patriarcado não é apenas uma característica de sociedades antigas, mas continua a moldar as estruturas sociais contemporâneas, perpetuando a desigualdade de gênero e o machismo.

Machismo x sexismo x misoginia

Embora estejam interligados, machismo, sexismo e misoginia têm significados distintos. O machismo refere-se à crença na superioridade masculina e à prática de subordinar as mulheres. Sexismo é a discriminação baseada no sexo ou gênero, que pode se manifestar tanto em atitudes como em políticas. Misoginia, por sua vez, é o ódio ou desprezo pelas mulheres.

Kate Manne, em A mulher para baixo (2017), argumenta que a misoginia é uma ferramenta usada para manter as mulheres “em seus lugares”, reprimindo aquelas que desafiam a ordem patriarcal. Manne distingue misoginia de sexismo, sugerindo que o sexismo procura justificar a desigualdade de gênero enquanto a misoginia pune as mulheres que tentam subvertê-la.

Diferenças entre machismo e feminismo

Mulheres em manifestação feminista contra o machismo.
O feminismo luta pela igualdade de direitos entre os gêneros.[1]

Machismo e feminismo representam concepções opostas sobre as relações de gênero. Enquanto o machismo defende a superioridade masculina e a manutenção de papéis de gênero tradicionais, o feminismo luta pela igualdade de direitos e oportunidades entre os gêneros.

bell hooks, em O feminismo é para todo mundo (2000), define o feminismo como um movimento para acabar com o sexismo, a exploração sexista e a opressão. hooks argumenta que o feminismo não é sobre odiar os homens, mas sim sobre desafiar as estruturas que perpetuam a desigualdade de gênero, incluindo o machismo.

Consequências do machismo

As consequências do machismo são vastas e afetam a sociedade como um todo. Para as mulheres, o machismo resulta em discriminação, violência, e limitações nas oportunidades econômicas e sociais. Para os homens, o machismo pode levar a uma repressão emocional e a comportamentos autodestrutivos.

Na sociedade, o machismo contribui para a perpetuação de desigualdades sociais e econômicas, impede o desenvolvimento pleno das capacidades humanas e mantém a violência de gênero como uma constante. Adrienne Rich, em Nascida de mulher (1976), explora como o machismo afeta profundamente a maternidade e as relações familiares, perpetuando ciclos de opressão e sofrimento.

Saiba mais: Exploração sexual — forma de violência que ameaça especialmente mulheres e crianças

Machismo na história

O machismo, que pode ser descrito como a crença na suposta superioridade dos homens sobre as mulheres e a prática de subordiná-las, está intrinsecamente ligado à misoginia, mas tem suas próprias manifestações e impactos históricos. Assim como a misoginia, o machismo tem moldado sociedades ao longo da história, estabelecendo e perpetuando estruturas patriarcais que colocam os homens em posições de poder e autoridade, enquanto relegam as mulheres a papéis secundários.

Na Roma Antiga, por exemplo, o machismo era evidente na estrutura familiar e legal. O paterfamilias, ou “chefe de família”, tinha autoridade absoluta sobre todos os membros da família, incluindo as mulheres.

As mulheres eram legalmente consideradas propriedades de seus maridos ou pais e tinham muito pouca autonomia. A lei romana permitia que os homens exercessem controle quase total sobre suas esposas, filhas e outras mulheres sob sua tutela, incluindo o poder de decidir sobre seus casamentos e até de punir fisicamente ou matar em casos de desobediência.

Durante o renascimento, entre os séculos XV e XVI, o machismo foi reforçado por meio de ideais de masculinidade que exaltavam a força, a autoridade e a dominação masculina. Embora o renascimento tenha sido um período de grande progresso cultural e intelectual, esse progresso era quase exclusivamente reservado aos homens.

As mulheres eram amplamente excluídas das oportunidades educacionais e culturais que floresciam na época, e aquelas que buscavam participar desse renascimento intelectual eram frequentemente desencorajadas ou enfrentavam ostracismo social.

No século XVIII, durante a Revolução Francesa, o machismo se manifestou na exclusão das mulheres dos direitos recém-conquistados de “liberdade, igualdade e fraternidade”. Apesar da participação ativa de muitas mulheres na revolução, como as sans-culottes e as mulheres que marcharam sobre Versalhes, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, ignorou completamente as mulheres, não lhes conferindo os mesmos direitos que aos homens.

Olympe de Gouges, uma das vozes feministas mais proeminentes da época, tentou desafiar essa exclusão com a publicação da Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, em 1791, mas foi ignorada e, eventualmente, guilhotinada, um reflexo extremo da repressão machista da época.

Duas mulheres segurando cartazes em prol do voto feminino, em texto sobre machismo.
Ativistas em favor do voto feminino, em 1908, um direito conquistado após intensa luta.

No século XX, o machismo continuou a ser uma força poderosa, especialmente nas décadas iniciais. Mesmo após a concessão do direito ao voto para as mulheres em muitos países, elas continuaram a enfrentar discriminação sistêmica e barreiras significativas no mercado de trabalho e na vida pública.

O machismo era evidente nas expectativas sociais de que as mulheres deveriam se concentrar na criação dos filhos e nos cuidados domésticos, enquanto os homens deveriam ser os provedores. Movimentos como o das Donas de Casa Felizes, na década de 1950, nos Estados Unidos, reforçaram essa visão, promovendo a ideia de que a verdadeira realização das mulheres estava no lar, servindo às necessidades de seus maridos e filhos.

No Brasil, o machismo histórico é evidente nas leis e práticas que relegaram as mulheres a uma posição subordinada por muitos anos. A própria Constituição de 1891 não reconhecia o direito ao voto feminino, e as mulheres só conquistaram esse direito em 1932, durante o governo de Getúlio Vargas, após intensa luta do movimento sufragista.

Mesmo após a conquista do voto, o Código Civil de 1916 ainda tratava as mulheres como relativamente incapazes, equiparando-as a menores de idade e obrigando-as a obter autorização do marido para trabalhar ou gerir seus bens.

Créditos da imagem

[1] Marco Ceron/ Shutterstock

Fontes

BEAUVOIR, S. de. O segundo sexo. 2. ed. São Paulo: Nova Fronteira, 2009.

BOURDIEU, P. A dominação masculina. 10. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.

BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 1. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.

CONNELL, R. Masculinidades. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Kuckuck, 2005.

FEDERICI, S. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. 2. ed. São Paulo: Elefante, 2017.

FRASER, N. Fortunas do feminismo: do estado de bem-estar à economia global. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2016.

GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.

HOOKS, B. O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. 1. ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2019.

HOOKS, B. O desejo de mudar: homens, masculinidade e amor. 1. ed. São Paulo: Elefante, 2017.

KIMMEL, M. O mundo dos homens: o perigoso mundo onde meninos se tornam homens. 1. ed. São Paulo: Contexto, 2018.

LERNER, G. A criação do patriarcado. 1. ed. São Paulo: Cultrix, 2019.

MACkINNON, C. Assédio sexual de mulheres trabalhadoras. 1. ed. São Paulo: Loyola, 1989.

MANNE, K. A mulher para baixo: a lógica da misoginia. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2020.

RICH, A. Nascida de mulher: maternidade como experiência e instituição. 1. ed. São Paulo: Cultrix, 1995.

SCOTT, J. Gênero e a política da história. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Kuckuck, 1990.

YOUNG, I. M. Cinco faces da opressão. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2019.


Fonte: Brasil Escola - https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/machismo.htm