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Entre o átomo e o cosmos: Cinco poemas de Augusto dos Anjos

Os poemas de Augusto dos Anjos foram publicados em sua única obra, Eu. Ao ler seus versos, o leitor poderá conhecer toda a autenticidade do mais original de nossos poetas.

Augusto dos Anjos nasceu na cidade de Sapé, estado da Paraíba, em 1884. Faleceu em Leopoldina, Minas Gerais, em 1914
Augusto dos Anjos nasceu na cidade de Sapé, estado da Paraíba, em 1884. Faleceu em Leopoldina, Minas Gerais, em 1914
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Nenhum outro poeta foi mais original em nossa literatura do que Augusto dos Anjos. Basta ler o primeiro verso de um de seus poemas para identificar toda a agressividade de quem, em uma experiência literária única na história da literatura universal, ousou unir o Simbolismo com o cientificismo naturalista. Os poemas de sua única obra, Eu, de 1912, chocam pelo vocabulário e pela temática controversa para os padrões da época em que viveu e até mesmo para os dias de hoje.

Nada na poesia de Augusto dos Anjos é usual: ainda que em alguns momentos a dor de ser dos Simbolistas possa ser notada em seus versos, é o cientificismo naturalista o que mais chama a atenção do leitor. Graças à sua poesia antilírica, a literatura brasileira pôde dar início à discussão sobre os conceitos de “boa poesia”, já que, pela primeira vez, um escritor desafiou a tradição ao levar para o terreno da poesia temas como a decrepitude dos cadáveres, os vermes, a prostituta, as substâncias químicas que compõem o corpo humano e até mesmo a descrição quase macabra da decomposição da matéria.

Não espere qualquer tipo de lirismo na obra de Augusto dos Anjos: ao ler os poemas do escritor você entenderá o que é a antipoesia. Ainda que fale sobre o amor, o poeta o faz de maneira peculiar, utilizando um vocabulário que foi, à época, considerado “baixo”, inadequado de acordo com o cânone literário vigente. Mesmo hoje, depois de tantas experiências literárias, tantas inovações que culminaram em nossa moderna literatura, ler a poesia de Augusto dos Anjos causa certa estranheza: é preciso ressignificar a poesia e compreender que ela pode estar presente até mesmo em situações funestas.

Para que você conheça melhor a obra de um dos mais autênticos poetas da literatura brasileira, o Brasil Escola selecionou cinco poemas de Augusto dos Anjos que certamente farão com que você ressignifique a poesia: nem sempre ela é puro lirismo, nem só de amor vive o poeta. Boa leitura!

Tópicos deste artigo

Entre o átomo e o cosmos: Cinco poemas de Augusto dos Anjos


“Eu sou aquele que ficou sozinho/Cantando sobre os ossos do caminho/A poesia de tudo quanto é morto!”. In “O poeta do Hediondo”.

Psicologia de um vencido

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.


Profundissimamente hipocondríaco, 
Este ambiente me causa repugnância... 
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia 
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas 
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los, 
E há-de deixar-me apenas os cabelos, 
Na frialdade inorgânica da terra!

 

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Versos íntimos

Vês?!  Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão — esta pantera —
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo.  Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Budismo moderno

Tome, Dr., esta tesoura, e... corte
Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharia roa
Todo o meu coração, depois da morte?!

Ah! Um urubu pousou na minha sorte!
Também, das diatomáceas da lagoa
A criptógama cápsula se esbroa
Ao contato de bronca destra forte!

Dissolva-se, portanto, minha vida
Igualmente a uma célula caída
Na aberração de um óvulo infecundo;

Mas o agregado abstrato das saudades
Fique batendo nas perpétuas grades
Do último verso que eu fizer no mundo!

O poeta do hediondo

Sofro aceleradíssimas pancadas
No coração. Ataca-me a existência
A mortificadora coalescência
Das desgraças humanas congregadas!

Em alucinatórias cavalgadas,
Eu sinto, então, sondando-me a consciência
A ultra-inquisitorial clarividência
De todas as neuronas acordadas!

Quanto me dói no cérebro esta sonda!
Ah! Certamente eu sou a mais hedionda
Generalização do Desconforto...

Eu sou aquele que ficou sozinho
Cantando sobre os ossos do caminho
A poesia de tudo quanto é morto!

A esperança

A Esperança não murcha, ela não cansa, 
Também como ela não sucumbe a Crença. 
Vão-se sonhos nas asas da Descrença, 
Voltam sonhos nas asas da Esperança.

Muita gente infeliz assim não pensa; 
No entanto o mundo é uma ilusão completa, 
E não é a Esperança por sentença 
Este laço que ao mundo nos manieta?

Mocidade, portanto, ergue o teu grito, 
Sirva-te a crença de fanal bendito, 
Salve-te a glória no futuro – avança!

E eu, que vivo atrelado ao desalento, 
Também espero o fim do meu tormento, 
Na voz da morte a me bradar: descansa!


Por Luana Castro
Graduada em Letras

Escritor do artigo
Escrito por: Luana Castro Alves Perez Escritor oficial Brasil Escola

Gostaria de fazer a referência deste texto em um trabalho escolar ou acadêmico? Veja:

PEREZ, Luana Castro Alves. "Entre o átomo e o cosmos: Cinco poemas de Augusto dos Anjos"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/literatura/entre-atomo-cosmos-cinco-poemas-augusto-dos-anjos.htm. Acesso em 28 de março de 2024.

De estudante para estudante


Lista de exercícios


Exercício 1

(MACK-SP)

Assinale a alternativa onde aparece uma característica que não se aplica à obra de Augusto dos Anjos.

a) referência à decomposição da matéria.

b) pessimismo diante da vida.

c) amor reduzido a instinto.

d) incorporação de vocabulário científico.

e) nacionalismo exaltado.

Exercício 2

“Sua popularidade deve-se ao caráter original, paradoxal, até mesmo chocante, da sua linguagem, tecida de vocábulos esdrúxulos e animada de uma virulência pessimista sem igual em nossas letras. Trata-se de um poeta poderoso, que deve ser mensurado por um critério estético extremamente aberto que possa reconhecer, além do “mau gosto” do vocabulário rebuscado e científico, a dimensão cósmica e a angústia moral da sua poesia”. (Alfredo Bosi, em História concisa da literatura brasileira).

O trecho acima se refere a(à):

a) Cruz e Sousa.

b) Alphonsus de Guimaraens.

c) Augusto dos Anjos.

d) Cecília Meireles.

e) Gregório de Matos.